Críticas


TOLERÂNCIA ZERO

De: HENRY BEAN
Com: RYAN GOSLING, SUMMER PHOENIX, BILLY ZANE, THERESA RUSSELL
07.07.2003
Por João Mattos
PROVOCATIVO E PERTURBADOR, PARA O BEM E PARA O MAL

Sobre Tolerância Zero é necessário um daqueles estimulantes exercícios de apreciação de uma obra de arte, que é o de tentar fazer com que o primeiro e forte impacto, emocional por excelência, e versando sobre o lado social e humano da obra, não se sobressaia demais numa apreciação final que deve equilibrar mais todos os dados, o ver (também) a obra completa, enquanto realização artística. Afinal este filme, baseado num fato real, é quase que a encarnação viva do termo polêmica explosiva, pois trata da história de um jovem judeu que flerta com o neonazismo (baseado em fatos ocorridos nosEUA dos anos 70), na trama, um rapaz de nome Danny (Ryan Gosling). A própria enunciação de seu tema central já desperta arrepios e Tolerância Zero é, do começo ao fim, provocativo e perturbador ao lidar com temas como história, raça, fé, violência, etc. Tanto que o filme abre com Danny espancando um outro jovem judeu, que ele segue desde um vagão de metrô.



A seu favor, o filme merece só elogios pela seriedade da empreitada e pela, por mais que a palavra soe estranha, elegância com que estrutura sua história, sem nenhum recurso de caricaturização fácil de Danny em sua atuação junto a um bando de cultores do nacional-socialismo, ou mesmo no que se refere ao perfil do líder fascista, Curtis (Billy Zane). Esta recusa ao óbvio e sensacionalista, na verdade só ilustra uma melhor e mais inteligente tentativa de desvendar a lógica do Mal, a mecânica do pensamento de Danny e Curtis, o que acaba por tornar esses dois homens ainda mais repulsivos e perigosos, por serem inteligentes e capazes de influenciar outros (as). Há também o bem-vindo cuidado de colocar uma série de situações dramáticas que demonstram como Danny vive em eterno e feroz conflito com suas raízes judaicas, nunca conseguindo romper por completo com elas, portanto não virando totalmente um neonazista.



Contra Tolerância de Zero, e que acaba prejudicando muito a obra, está exatamente o peso de sua polêmica de base, como se o mote chocante estivesse sobre todo o filme, sufocando-o, atravacando seu bom encadeamento narrativo e as relações dramáticas entre os personagens, por mais que a obra lide com a polêmica de uma maneira sábia e sem vulgaridade. O resultado é que Tolerância, que não se apresenta exatamente como obra de tese, nem de discurso, acaba, sem querer, virando uma obra na qual a série de frases, aforismos, tiradas e diálogos muito inteligentes e elaborados acabam por ficarem sobressaltados ante a dinâmica natural de uma trama cinematográfica – a frase sobre o que seria um legado maldito de Marx, Freud e Einstein, uma provocação sórdida e falsa para a imensa maioria das pessoas, é inegavelmente, para além de julgamentos morais, um raciocínio bem articulado, não feito por um ignorante qualquer. Isto é, a polêmica maior, o plano geral, acaba se sobressaindo ao drama humano em que o tema de base está contido. A força provocativa dos fragmentos da polêmica (as frases, etc), prejudicam uma construção melhor do todo.



Brilhante mesmo é Ryan Gosling como Danny, numa interpretação assombrosa, melhor que a e de outros atores em filmes com tema similar (Edward Norton em A Outra História Americana e Russel Crowe em Skin Heads – A Força Branca). Ryan constrói Danny com uma linguagem de corpo forte e um olhar cheio de gradações de intensidade, que mostram a contradição ambulante que é Danny, e em acordo com a não caricaturização geral do roteiro/direção, acabam por criar uma personalidade mais complexa e relevante para o jovem.



De carreira cinematográfica ainda curta, Gosling também brilhou em outro papel sombrio, no suspense mórbido Cálculo Mortal (irregular, mas nunca tão horrível como o enorme fiasco comercial e crítico levava a crer) e também trabalhou ao lado de Denzel Washington em Duelo de Titãs. Eis um ator que merece ter a carreira acompanhada com atenção. E se Tolerância Zero tem uma série de momentos chocantes, nenhum deles é maior que o instante da invasão da sinagoga no qual Danny tenta preservar um documento, impedindo que seus parceiros neonazistas o destruam, para isso usando como desculpa a validade do artefato, que ele diz odiar por ter estudado (os demais, óbvio, não sabem que ele é judeu), segundo ele, tal como “Eichmann fez”, e que conhecer o inimigo só reforça o ódio, etc. Tais colocações são respondidas por outro rapaz com um “Eichmann, quem?”, uma ilustração não só da crueldade, mas da ignorância de quem cultua o nazismo, pois recebe de uma maneira residual e ainda mais perigosa, as elaboradas e mentirosas teses originais, baseadas em deturpações históricas, religiosas, biológicas, etc.



Ontem e hoje este restolho da idéia nacional-socialista atinge multidões por funcionar como uma explicação e uma solução para recalques que culpabilizam o outro (o judeu, o não-ariano, o deficiente físico, etc) por problemas (sociais, íntimos) que algumas pessoas vivem.



# TOLERÂNCIA ZERO (THE BELIEVER)

EUA, 2001

Direção: HENRY BEAN

Roteiro: HENRY BEAN, MARK JACOBSON.

Produção: SUSAN HOFFMAN, CHRISTOPHER ROBERTS.

Fotografia: JIM DENAULT

Montagem: MAYIN LO, LEE PERCY.

Música: JOEL DIAMOND

Elenco: RYAN GOSLING, SUMMER PHOENIX, BILLY ZANE, THERESA RUSSELL, JUDAH LAZARUS.

Duração: 98 min.

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