Críticas


OS MISERÁVEIS

De: TOM HOOPER
Com: HUGH JACKMAN, RUSSEL CROWE, ANNE HATHAWAY
14.02.2013
Por Marcelo Janot
Como considerar a canastrice um defeito? Talvez seja isso o que atraia e faça o deleite de tanta gente que é fã incondicional de musicais como esse.

Aos 18 anos, durante o meu período de intercâmbio em Cambridge, um dos programas preferidos da turma era ir a Londres para assistir aos musicais do West End. Vi "Cats", "O Fantasma da Ópera", "Starlight Express" e "Les Misérables". Hoje, talvez achasse todos de uma cafonice ímpar (e dificilmente gastaria minhas preciosas libras com isso), mas as melodias assoviáveis das canções de Andrew Lloyd Webber jamais saíram da minha lembrança. Por isso, ao assistir à recente versão cinematográfica do musical "Les Misérables", poderia jurar que este também era de Webber. "I Dreamed a Dream", a canção mais famosa (em bela interpretação de Anne Hathaway), parece uma repetição com pequenas variações de "I Don't Know How To Love Him" (de "Jesus Christ Superstar"), "All I Ask Of  You" (de "O Fantasma da Ópera"), "Memory" (de "Cats") e outras  baladas românticas compostas por Webber. O autor de "Les Misérables" é, na verdade, Claude-Michel Shöenberg, mas para aqueles familiarizados com a obra de Andrew Lloyd Webber, é tudo muito parecido.



O que há em comum em boa parte desses e de outros musicais (como "Evita", por exemplo), é que qualquer contexto histórico, social ou político que a trama apresente é engolido por um drama de amor de tom épico, feita para tocar os corações das plateias que há anos lotam os teatros da Broadway e do West End para preencher seus sonhos românticos com uma boa dose de diversão escapista.



Portanto, qualquer crítica ao filme de Tom Hooper deve levar em consideração o fato de se tratar de uma adaptação do musical, sem um engajamento político profundo que nem o romance de Vitor Hugo parecia buscar. Logo, o que o roteiro privilegia são os incontáveis – e por vezes arrastados – números musicais, que volta e meia emperram uma narrativa que começa ágil e envolvente, com o primeiro embate entre Jean Valjean e Javert em meio a uma reconstituição de época impecável.

Hugh Jackman e Russel Crowe, os únicos personagens presentes em quase toda a extensa minutagem, têm carisma suficiente pra segurar, por mais de 150 minutos, o espectador com predisposição para musicais como os descritos no início deste texto. Ao contrário de Crowe, Jackman mostra talento também como cantor, dando um show até em números operísticos. O resto do elenco, se não faz feio cantando, tampouco sobressai em termos dramáticos. A participação de Anne Hathaway como Fantine, embora marcante, é pequena; Helena Bonham-Carter e Sacha Baron-Cohen são desperdiçados tentando imprimir algum humor à trama; e o casal Amanda Seyfried (Cosette) e Eddie Redmayne (Marius) não tem nenhuma química, em parte pela canastrice do jovem ator, que teve participação menos vacilante em "Sete Dias Com Marilyn".



Mas como considerar a canastrice um defeito em um filme como "Os Miseráveis"? Talvez seja isso o que atraia e faça o deleite de tanta gente que é fã incondicional de musicais como esse, e o motivo pelo qual o diretor troca a profundidade do palco pelos close-ups novelescos nos rostos dos atores tentando transbordar emoção.

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Outros comentários
    447
  • eduardo pepe
    17.05.2013 às 16:28

    Emocionar é um das grandes coisas que o cinema faz, mas emocionar por emocionar (com cenas auto-piedosas, sentimentalismo...) me parece algo um tanto vazio. Ainda mais se percebemos que a obra de Victor Hugo tinha temas tão interessantes e ainda relevantes.... Ao fim da sessão, a sessão que fiquei foi que Tom Hooper não leu "Os Miseráveis".