Críticas


O QUE TRAZ BOAS NOVAS

De: Philippe Falardeau
Com: Fellag, Sophie Nélisse, Émilien Néron, Danielle Proulx
10.05.2013
Por Marcelo Janot
Trata-se, sobretudo, de um painel de observação sobre um microcosmo definido: o ambiente escolar e a presença do estrangeiro nele.

Há um parentesco temático entre um dos melhores filmes lançados este ano no Brasil, o dinamarquês "A caça", de Thomas Vinterberg, e a boa produção canadense "O que traz boas novas" ("Monsieur Lazhar"), de Philippe Falardeau, que concorreu ao Oscar de Filme Estrangeiro: ambos deixam claro que há algo de errado no âmbito da educação familiar e do ensino escolar, mesmo em países que estão no topo do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano. Se o que havia de podre no reino da Dinamarca de Vinterberg era a histeria coletiva que levava a uma injusta acusação de pedofilia contra um professor do jardim de infância, no ambiente gélido da Montreal de Falardeau o suicídio de uma professora do ensino médio, que se enforcou em plena sala de aula, é o ponto de partida de um filme em que os verbos ensinar e educar não parecem pertencer à mesma conjugação.

Quando os pais de uma aluna pedem ao professor substituto Bachir Lazhar (em interpretação delicada do ator argelino Fellag) que trate apenas de ensinar, e não de educar a filha deles, fica clara a rigidez das regras quanto ao que se pode fazer em sala de aula. Em tempos de paranoias generalizantes, se por um lado dar a mão à palmatória felizmente virou mera figura de linguagem, por outro não é mais permitido aos professores se intrometerem em dilemas emocionais das crianças e sequer encostar nos alunos, como se estivessem, na definição de uma personagem, lidando com "lixo radioativo". O afeto se encerra nas relações contratuais, respeitando-se e acentuando-se as diferenças hierárquicas entre professor e aluno.

O resultado disso é bastante complexo e captado sem maniqueísmo pelo diretor e roteirista Philippe Falardeau, que, não só dá dinamismo a um texto que originalmente era um monólogo teatral, como também evita dividir seus personagens em vítimas e culpados. O dramático passado de Lazhar em seu país de origem, a Argélia, o leva a mentir, e embora nos afeiçoemos por ele, também podemos questionar algumas de suas atitudes. O mesmo vale para os alunos, que graças ao excepcional talento dos atores mirins que os interpretam, fogem dos estereótipos comuns da turma de colégio.

Em "A Caça", ficava clara desde o início a inocência do acusado de pedofilia, para que a atenção do espectador recaísse sobre o injusto linchamento coletivo. Em "O que traz boas novas", nunca sabemos de fato o que motivou o suicídio da professora. Até que ponto o comportamento agressivo do menino Simon pode ter contribuído para isso? Como detalhes da relação entre os dois só são revelados pelo ponto de vista da criança, em um momento de forte impacto emocional, a resposta acaba ficando no ar. Mas a trama não é construída como um thriller em que cria-se uma atmosfera de suspense crescente até o desfecho. Trata-se, sobretudo, de um painel de observação sobre um microcosmo definido: o ambiente escolar e a presença do estrangeiro nele. Lazhar é o elemento externo, pertencente a outra cultura, que nos faz abrir os olhos para coisas a que nos acostumamos sem perceber. Bachir, seu primeiro nome, significa "o que traz boas novas". Só que como já dizia o velho ditado, a bonança só vem depois da tempestade.



Publicado originalmente no jornal O Globo de 9.5.2013

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Outros comentários
    444
  • Bruno
    16.05.2013 às 19:41

    Lendo as críticas do Janot fica impossível não querer ver a estes dois filmes. Parabéns Janot, te acompanho há algum tempo e seu trabalho é fantástico. grande abraço
    • 445
    • Marcelo Janot
      16.05.2013 às 22:34

      Muito obrigado, Bruno, volte sempre! Abraços!