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ENTREVISTA COM ELY AZEREDO

03.06.2013
Por Críticos.com.br
Decano da crítica de cinema carioca e quiçá brasileira concedeu esta rara entrevista ao Jornal Copacabana

Repercutimos aqui entrevista do crítico Ely Azeredo ao jornal mensal Copacabana, publicada na edição de maio.

1 – Quando se apaixonou definitivamente pela arte cinematográfica?

EA - Pouco depois que o "Correio da Manhã", jornal capaz de derrubar ministros, inaugurou - em 1946 - uma coluna de crítica com a assinatura do (então) desconhecido Antonio Moniz Vianna. Um espaço dedicado todos os dias a análises de filmes era algo inédito na imprensa brasileira. Até então, com exceção dos nomes de Hitchcock e Frank Capra, eram as estrelas que atraíam as pessoas às bilheterias. Moniz Vianna preparou o leitor para a identificar as impressões digitais dos diretores nos estilos que apareciam na tela. Quando ainda não eram editados livros sobre cinema no Brasil, nem existiam cursos especializados, esse autodidata foi uma espécie de internet em papel-jornal. Ao ingressar no jornalismo fui moldando uma visão pessoal, naturalmente. E diferenciada em meu empenho de estudar a produção nacional.

2 – Nos seus 50 anos de carreira dedicados ao jornalismo cinematográfico, como vê a nova geração de críticos? O que mudou comparando às suas, de Antonio Moniz Vianna, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Miguel Pereira, Fernando Ferreira e outros?

EA - Nas últimas décadas a crítica de cinema foi perdendo espaço - e não só no Brasil. Hoje os críticos só encontram espaço razoável na internet. Na mídia de papel há raras exceções. A mais notável é a revista gaúcha Teorema - Crítica de Cinema, que é financiada pelos próprios críticos e só edita dois números por ano. O interesse pela verdadeira crítica começou a desabar no final dos anos 1970, quando a Folha de São Paulo passou a concentrar todas as apreciações no dia de estreias. E para possibilitar essa cobertura instantânea convocou alguns jornalistas não especializados. A crítica de cinema exige algo parecido com dedicação integral. Hoje, na imprensa, esse trabalho foi substituído pelos comentários em forma de resenha.

3 – Fez alguma crítica que tenha mudado de avaliação com o passar dos anos? Se sim, que filme?

EA - Nada é inerte no universo da cultura. Alguns filmes crescem com o tempo, como A Aventura, de Antonioni, que acolhi com certa reverência, mas não me ensusiasmou no lançamento. Recebi mal Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos. Depois, como esse filme abriu caminhos para produções independentes e preocupadas com problemas sociais, adquiriu importância histórica. Mas (excetuados alguns momentos) é um trabalho de construção precária. E certamente o cineasta de Memórias do Cárcere, de importância indiscutível, sabe disso - fez o que pôde com recursos mínimos.

4 – O que pensa sobre a pequena quantidade de cinemas de rua e alta concentração de salas em shoppings?

EA - Uma involução desastrosa. O cinema se realizou como indústria cultural atraindo grandes plateias. As grandes salas criavam uma atmosfera propícia ao sonho, à poesia - antes mesmo do início da projeção. A atmosfera dos shoppings é mais propícia ao consumismo. E o povão não se sente muito à vontade para entrar em shopping. Alguém pode imaginar o lançamento de ...E o Vento Levou ou de O Poderoso Chefão (The Godfather) numa sala de shopping? O antigo São Luiz (Largo do Machado), construído na década de 1920, era um "templo" do espetáculo, com uma infinidade de poltronas, e foi pequeno para acomodar a maré humana atraída pelo filme de Coppola. Além da grande plateia no piso térreo, tinha balcões, camarotes e galerias - lembrando o Teatro Municipal. Mas até acomodado em um dos cantos da galeria mais alta o espectador tinha uma visão perfeita dos filmes.

5 - Com o avanço das tecnologias, é melhor avaliar um filme no cinema ou em casa?

EA - Sempre no cinema, embora seja possível acessar filmes na internet - o que não é meu hábito. Para uma análise mais detida, nada melhor que o DVD.

6 – Quais são seus diretores prediletos, tanto os do passado quanto os atuais?

EA - Acho impossível inventariá-los sem risco de omissão. Mas tenho um afeto especial por cineastas que acompanhei produzindo críticas desde a primeira realização. Um time muito híbrido, que vai de Terrence Malick a Fellini, passando por criadores muito díspares, como Kubrick, Woody Allen, Clint Eastwood, Antonioni, Robert Altman...

7 – Deve ser impossível para um cinéfilo de sua categoria saber quantos filmes já assistiu. Tem ideia de quantas críticas suas foram publicadas?

EA - Como há centenas de críticas perdidas, não posso contabilizar. Mas acredito que publiquei perto de seis mil críticas - somando principalmente minhas fases na Tribuna da Imprensa, no Jornal do Brasil e (menos volumosa) em O Globo. Na Tribuna minhas colunas eram diárias e, geralmente, eu podia me estender pelo espaço que desejasse. Só na primeira de minhas duas passagens pelo Jornal do Brasil fiz cerca de cinco críticas por semana durante 17 anos. E escrevi em mais de vinte veículos, somando jornais, revistas, catálogos de mostras, rádio e internet. Em 1996, pensando em garantir melhor conservação para o acervo, dei os passos legais para (através da Riofilme) depositar meu arquivo de recortes no Arquivo Geral da Cidade, com apoio da Secretaria de Cultura. Dez anos depois, ao visitar o Arquivo, descobri que a instituição nem sabia dessa história... As caixas de arquivamento foram encontradas no almoxarifado da Riofilme, junto de estoques de material de escritório. Centenas de críticas haviam desaparecido. O Arquivo da Cidade também nunca localizou preciosidades que eu havia depositado, como roteiros originais, fotos e documentos importantes para o estudo da história do cinema nacional.

8 – No seu livro Olhar Crítico: 50 Anos de Cinema Brasileiro, faz uma crítica nada favorável a Terra em Transe, cultuado filme de Glauber Rocha. Tem receio que possa confrontar com a atual juventude cinéfila que tem adoração pelo filme?

EA - Confronto de opiniões é sempre bem-vindo. Terra em Transe tem adoradores nobilíssimos, como Scorsese, Carlos Diegues e Walter Salles. Minha crítica não entrou no livro por prazer pessoal, e sim porque a edição pelo Instituto Moreira Salles foi pensada como um documentário sobre 50 anos de trabalho. É um texto polêmico, escrito no calor da hora como toda crítica de jornal, sobre um filme que descrê de toda a sociedade civil e (com o Brasil então humilhado pela ditadura fardada) apresenta simpaticamente o único personagem militar, interpretado por Mário Lago! Unanimidade não é garantia absoluta de qualidade. Até hoje há quem negue a excelência de Le Corbeau (exibido como A Sombra do Pavor e O Corvo), de 1943, realizado por Clouzot, que é um retrato - cáustico e de soberba ironia - de uma cidadezinha francesa "bem pensante", dominada pela hipocrisia e pela intolerância. Alguns críticos muito sérios, embora reverenciando Charlie Chaplin como artista, nunca reconheceram sua importância como cineasta. A meu ver, nem Glauber Rocha encontrou continuidade para Terra em Transe. Ele seguiu caminhos completamente diferentes, até encerrar a carreira com o desastroso A Idade da Terra. Mas seu Deus e o Diabo na Terra do Sol garante a unanimidade de gregos e troianos...

9 – Foi um dos fundadores e responsável pela programação do Cine Alvorada, em Copacabana (o primeiro cinema do Rio a ter programação voltada para os filmes de arte). Algum cinema atual se assemelha ao método do Cine Alvorada?

EA - A semente do Alvorada produziu frutos diferenciados, como o grupo Estação Botafogo, que abriga filmes alternativos em várias salas de seu circuito. Mas não existem mais autênticos cinemas de arte. Até em Nova York eles fecharam as portas. Nenhuma sala repete a experiência do Alvorada, viabilizada por três "mosqueteiros": eu e Alberto Shatovsky, que fazíamos a programação; e o publicista Oswaldo Leite Rocha, essencial como articulador realista do projeto). Nenhuma sala tem programação comparável àquela, que exibia sucessivamente "coleções" de Bergman, filmes alternativos norte-americanos, produções japonesas, francesas e alemães ignoradas pelo circuito. Eu sonhei o Alvorada inspirado nos cinemas franceses "de arte e ensaio" que, no pós-guerra, formaram plateias para o advento da Nouvelle Vague, ocorrido no final dos anos 1950. O Alvorada não foi criado em função do lucro. Aliás, enquanto crítico, eu jamais me associaria a um empreendimento comercial. A primeira experiência do gênero foi feita no Teatro Mesbla, na Cinelândia, no final de 1959, com a luz verde da Sociedade Teatro de Arte. Em seguida, fomos propor ao exibidor Lívio Bruni transformar o Alvorada em sala de arte. O cinema da rua Raul Pompeia estava fechado, era pequeno, meio "escondido" (ainda não existia o túnel ligando essa rua à Barata Ribeiro) e, como Bruni dispunha de um grande circuito, não tinha tempo de pensar como reativá-lo. Tinha a ideia de reabri-lo como cinema para crianças - coisa inviável por falta de repertório do gênero nas distribuidoras. Achava nossa ideia meio maluca, mas concordou e até investiu numa boa maquiagem do imóvel. Rapidamente grandes filas provaram que nossa aposta era certeira.

10 – Poderia enumerar seus top 10?

EA - Com três condições. Primeiro, deixar de lado o cinema silencioso, porque é uma arte muito diversa do sonoro. Segundo: à exceção do incomparável Cidadão Kane, publicar a seleção em ordem estritamente cronológica.

O maior filme: Cidadão Kane (Citizen Kane), de Orson Welles, 1941, Estados Unidos.

1939 - A Regra do Jogo (La Règle du Jeu), de Jean Renoir, França.

1942 - Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette), de Vittorio de Sica, Itália.

1950 - Rashomon (idem), de Akira Kurosawa, Japão.

1954 - Janela Indiscreta (Rear Window), de Alfred Hitchcock, EUA.

1955 - A Palavra (Ordet), de Carl Dreyer, Dinamarca.

1962 - O Anjo Exterminador (El Angel Exterminador), de Luís Buñuel, México.

1966 - Persona, de Ingmar Bergman, Suécia.

1968 - 2001: uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odissey), de Stanley Kubrick, EUA/Reino Unido.

1975 - O Passageiro/Profissão Repórter (Professione: Reporter), de Michelangelo Antonioni, Itália/França/Espanha.

11 – Que conselhos daria a um jovem jornalista cinéfilo que sonha em ser crítico de cinema?

EA - Inventar seu próprio espaço na internet, um blog ou um site.

Ler a bibliografia essencial.

Ver muitos filmes na telona e revê-los em dvd.

E escrever, escrever e...escrever - em qualquer tipo de publicação aberta a colaboradores.

O mais importante: não esperar muito dinheiro como crítico.

12 - Pode deixar um recado e uma dica de bom filme aos leitores do Jornal Copacabana?

EA - Sugiro descobrir a História do Cinema vasculhando as estantes da Locadora Paradise Vídeo. E visitar a livraria Baratos da Ribeiro - sebo por definição, mas também um nicho de raridades bem organizadas.

Sugiro filmes em DVD, porque estão sempre "em cartaz". Fora do eixo Hollywood-Europa, indico três extremamente originais: o iraniano A Separação, o mexicano Luz Silenciosa" e o turco 3 Macacos. Não existem muitos filmes tão ousados quanto Luz Silenciosa.



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