“A gente vai se perder nesse mundo; pode nunca mais se achar”, diz Rose ao filho Antônio ao deixá-lo trabalhando numa cidadezinha e seguir para o Rio de Janeiro guiada pela determinação do marido Romão em conseguir um emprego em que ganhe mil reais, quantia mínima estipulada para garantir o sustento da família. Atravessando mais de três mil quilômetros de bicicleta, da Paraíba ao Rio, Romão, Rose e os filhos se colocam numa situação de evidente desamparo, suprido apenas pelos encontros generosos que travam pelo meio do caminho e pela voz de Roberto Carlos, fio invisível que os manterá unidos mesmo após eventuais separações. É de perdição e sintonia na distância que Vicente Amorim trata em O Caminho Das Nuvens .
No entanto, as personagens não têm a oportunidade de se perder pela estrada porque contam sempre com a companhia invisível de uma câmera que não as abandona em momento algum. Uma câmera que exige se fazer notar e, consequentemente, impõe a sua presença ao espectador prejudicando, pelo menos em parte, a transmissão da dimensão da impotência e da solidão daquela gente que palmilha um Brasil imenso. Uma câmera interveniente e nervosa, tanto nas tomadas panorâmicas das estradas descampadas quanto nos closes dos rostos dos próprios atores e da multidão de anônimos.
Em relação a este último aspecto, O Caminho Das Nuvens também parece se imbuir da obstinação de seu protagonista mas no sentido de absorver a autenticidade do povo, de modo a atingir o refinado cruzamento entre realidade e ficção. Para tanto, falta exatamente a disposição ao abandono. Fotografia (de Gustavo Habba) e trilha sonora (de André Abujamra, melhor na pontuação das cenas) “aparecem” durante toda a projeção. Com uma raiz fincada no documental (até pelo fato de ser baseado na história real de Cícero Ferreira Dias), o filme, porém, jamais deixa de se exibir como cinematográfico.
Como outros exemplares da recente produção nacional, O Caminho Das Nuvens evidencia o contraste entre um distanciamento decorrente de uma “barreira técnica” que diminui as possibilidades da platéia “mergulhar” na tela grande e a sua natural intensidade afetiva explicitada na tentativa de retratar um Brasil ainda dotado de resquícios de ingenuidade e não totalmente contaminado pelo embrutecimento dos acontecimentos diários. Expressivo o elenco, com destaque para Ravi Ramos Lacerda.
# O CAMINHO DAS NUVENS
Brasil, 2003
Direção: VICENTE AMORIM
Roteiro: DAVID FRANÇA MENDES
Produção: LUIZ CARLOS BARRETO, LUCY BARRETO, BRUNO BARRETO, ÂNGELO GASTAL e DANIEL FILHO
Trilha Sonora: ANDRÉ ABUJAMRA
Fotografia: GUSTAVO HABBA
Direção De Arte: JEAN LOUIS LEBLANC
Elenco: WAGNER MOURA, CLAUDIA ABREU, RAVI RAMOS LACERDA, SIDNEY MAGAL E CLAUDIO JABOURANDY
Duração: 87 minutos
Site Oficial: www.ocaminhodasnuvens.com.br