Críticas


JOVEM E BELA

De: FRANÇOIS OZON
Com: MARINE VACHT, CHARLOTTE RAMPLING, FRÉDÉRIC PIERROT
22.11.2013
Por João de Oliveira
A beleza da atriz e a trilha sonora salvam o filme do fiasco total

O novo filme de François Ozon conta a história de uma bela adolescente de 17 anos, Isabelle, que decide se prostituir para ganhar um pouco de dinheiro. Ao contrário de muitas estudantes de sua idade, que optam pela prostituição para pagar os estudos ou para comprar roupas ou objetos de marcas famosas, ela faz isso quase por tédio, revolta juvenil e um pouco de curiosidade, visto que ela é filha de uma médica que lhe satisfaz todos os desejos materiais.

A escolha do pseudônimo para a prostituta que ela incarna quase por acaso denota, desde o início, o recalcado conflito existencial entre ela e a mãe e o seu desejo de provocação. Linda e sensual, o rosto angelical e o corpo escultural, a jovem não tarda a obter alguns encontros com homens mais velhos de gostos, estilos e classes sociais diferentes. Inicialmente tudo sai como planejado, sem que ninguém de sua família ou do círculo de seus amigos desconfiem de sua vida dupla, até que ocorre um incidente e a polícia acaba denunciando tudo à sua mãe. A máscara cai, mas a menina, cada vez mais provocadora, não parece arrependida de nada do que fez, preferindo esquivar-se em relação a seu futuro como prostituta. A descoberta de seu segredo traz à tona o conflito com a mãe, cuja reputação não parece tão ilibada quanto quer fazer crer. Conflito do qual Ozon aproveita para demonstrar toda a perversidade e o narcisismo da adolescência, tema que já esboçara em seu filme anterior, Dans la maison (Dentro de casa).

O filme fará os brasileiros pensarem em Bruna Surfistinha. Mas apesar da temática parecida e de algumas semelhanças (a idade das personagens, o fato de ambas serem de classe média, a presença de um irmão), trata-se de duas obras completamente diferentes. O filme de Ozon é sobre a crise da adolescência, sobre o jogo de sedução dos adolescentes, sobre o fato de que não se é sério quando se tem 17 anos, como diz o poema de Rimbaud interpretado e analisado por estudantes do liceu no qual a protagonista estuda. No filme de Marcus Baldini, o problema é abordado pelo viés social e psicológico. Representa-se o mal estar existencial de Bruna no seio de uma família da qual ela se sente excluída, a sua dificuldade em se relacionar com as outras pessoas e o desejo de ser financeiramente independente, de ser dona de sua própria vida. Assim, embora esteticamente os dois filmes sejam muito pobres, no filme francês, cujas cenas de sexo são mais poéticas e a vontade de representar o conflito da adolescente como um problema natural da fase de transição para a idade adulta é mais explícito, a prostituição é o caminho da provocação, da descoberta da sexualidade, da curiosidade, da aventura, da inconsequência e da inconsciência juvenis, enquanto no segundo, escapista, ele é o caminho consciente da independência familiar e financeira.

Na realidade, a personagem do filme de Ozon parece mais próxima da personagem burguesa Séverine Sérizy (Catherine Deneuve) do filme de Luis Bunuel A Bela da Tarde, com o qual o filme abre um dialogo à distância e ao qual ele parece prestar uma pequena homenagem, sem, contudo, que os personagens tenham a mesma dimensão dramática. Aliás, há um momento no filme em que essa homenagem parece clara, quando um cliente pergunta sobre a sua disponibilidade e a jovem afirma que só trabalha durante o dia, tal como a personagem de Deneuve, que só se prostitui à tarde, e a flor que dá titulo ao filme do cineasta espanhol (que floresce apenas durante o dia). Nesse sentido, a conversa final entre Isabelle e a personagem de uma burguesa (a viúva de um de seus ex-clientes interpretada por Charlotte Rampling), que confessa sentir uma certa inveja da opção feita pela jovem, bem poderia ser a representação de um diálogo hipotético entre as personagens dos filmes de Ozon e de Bunuel (antes de Séverine começar à se prostituir).

A instância narrativa divide o filme em quatro partes, cada uma associada a uma estação do ano e a uma etapa da vida da personagem. O verão simboliza a descoberta da sexualidade ; o outono, sua iniciação na prostituição ; o inverno, a descoberta e a interrupção de sua dupla vida e a primavera, o desejo de recomeçar tudo outra vez. Até mesmo nessa pequena subdivisão a escolha do filme revela-se convencional e acadêmica. Uma vez mais François Ozon revela toda a inconstância de sua obra que alterna bons e maus momentos.

O filme apresenta alguns temas recorrentes na obra do diretor francês. Além da intriga ser conduzida por personagens femininos, temos a presença do sexo e dos conflitos familiares no seio de uma certa burguesia francesa. Temas que são prejudicados pelo fraco roteiro, perdido entre a curiosidade juvenil pela sexualidade e a prostituição como fantasia, e pela direção excessivamente acadêmica que faz uma utilização abusiva e repetitiva de zooms-in combinados ou substituídos por travellings frontais para atingir o close sem que isso seja justificado dramaticamente ou acrescente algo de novo à sintaxe narrativa do filme, parecendo mesmo, muitas vezes, ir de encontro à intenção da instância narrativa. Assim, se de um lado a narração dá a impressão de não partilhar das escolhas de sua personagem, preferindo manter-se à distância, filmando-a de costas, a repetição desses planos próximos e frontais, quase teatrais, transmite uma sensação contrária, revelando uma instância narrativa desejosa de sentir-se o mais próxima possível de sua personagem, a fim, muito provavelmente, de tentar decifrá-la ou de se solidarizar-se com sua rebelião e irreverência.

Isabelle é interpretada pela jovem atriz e ex-modelo Marine Vacht que, apesar dos 23 anos e de ter participado de apenas quatro filmes, incarna sem comprometer a introspectiva adolescente de 17 anos, cujas aventuras e silêncios são pontuados por algumas belas canções românticas da cantora francesa Françoise Hardy, que às vezes funcionam quase como um monólogo interior da personagem, em suas dúvidas e questionamentos existenciais. A beleza da jovem atriz e a eficácia da trilha sonora salvam o filme do fiasco total.

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Outros comentários
    983
  • Lidia
    23.11.2013 às 22:27

    Ozon é um diretor que se aperfeiçoa. Embora Jovem e Bela não consiga a mesma qualidade de Dentro da Casa, penso ser um bom filme. Sem psicologismos, apenas mostra uma adolescente, que, como tal, critica os valores da moralidade burguesa, rompendo com ela. A trilha, com Françoise Hardy, merece destaque. O poema de Rimbaud, também. Embora nem sempre atinja a profundidade, de modo geral, o diretor é expressão da civilização em que vive: tem cultura e sofisticação
  • 1190
  • Alexandre
    21.01.2014 às 12:25

    Belo filme, misterioso e instigante. Não adianta assistir procurando os motivos que a levam a fazer programas, essa é a conclusão que cada um deve buscar. Tem uma crítica em www.artigosdecinema.blogspot.com/2014/01/jovem-e-bela-jeune-jolie.html