Críticas


FESTIVAL DO RIO 2003: FILME DE AMOR

De: JULIO BRESSANE
Com: FERNANDO EIRAS, JOSIE ANTELLO, BEL GARCIA
07.10.2003
Por Daniel Schenker
AO SABOR DAS EXPERIÊNCIAS

Em Filme De Amor , Julio Bressane passa da teoria para a prática. Ou será o contrário? Às vezes, o cineasta consegue fazer o mais difícil: falar sobre o desejo – e sobre a sua realização como possível veículo para profundas transformações psíquicas. “O prazer passa mas o desejo volta sempre; é o alimento do amor”, dizem, em dado momento. Apesar de mostrar as personagens tentando concretizar aquilo que lêem/enunciam, Julio Bressane faz mais do que afirmar o cinema como concretização do literário. Realiza um filme sobre o passar pelas experiências, convidando (ou talvez intimando) o espectador a participar desta “festa suburbana”, a compartilhar como voyeur da intimidade dos que estão na tela.



São três as personagens de Filme De Amor e nem sempre todas participam do mesmo ato, ainda que estejam em conexão durante o tempo inteiro. Ocasionalmente há o olhar de quem “fica de fora” e também o olhar do espectador. Mas esta inclusão da platéia não se dá a partir dos tradicionais mecanismos de identificação com as personagens, na medida em que Julio Bressane não facilita no processo de aproximação ao oscilar, sem aderir completamente, entre o popular e o refinado, entre o concreto e o abstrato. As próprias personagens parecem distanciadas umas das outras, uma desconexão que não é suprida nem pelos sussurros coloquiais no início da projeção e nem pela corrente elétrica que percorre os corpos no instante do contato sexual. Ao contrário do que se tende a pensar, as explanações teóricas injetam vida a Filme De Amor ao passo que o plano “prático”, evidenciado no momento em que o cineasta localiza as ocupações profissionais de cada personagem, periga quebrar com uma certa credibilidade que, até então, vinha sendo subjetivamente construída. Esta interrupção da veracidade pode trazer como consequência imediata o afastamento entre público e obra.



No entanto, apesar de demonstrar a sua habilidade em transitar por diferentes esferas, Julio Bressane procura mostrar que “pelas coisas audíveis e visíveis chegamos às coisas inaudíveis e invisíveis”. Não por acaso, voa alto no impalpável e sublinha em Filme De Amor a noção de que “é preciso matar a coisa viva para conhecê-la satisfatoriamente” para, quem sabe, atingir um determinado estágio de “transfiguração”. Uma tentativa de entrar em contato com o sublime, de transcender o nível terreno através de um mergulho total na experimentação humana. Uma tarefa adequada a um artista como Bressane que, no que diz respeito ao cinema, vem simbolizando, ao longo do tempo, um movimento em louvor da experimentação, tão escassa nas filmes contemporâneos. Cabe pensar, porém, até que ponto o cineasta tem evoluído em suas buscas, se existe alguma acomodação no que diz respeito à metodologia estudiosa que antecede cada realização e ao aprimoramento técnico inegável de seus trabalhos, se permanece fiel diante da proposição de sair de encontro ao desconhecido.



Mesmo que indagações sejam lançadas sobre as suas investigações, Julio Bressane sensibiliza o espectador com Filme De Amor . Tendo Fernando Eiras, ator recorrente em produções do cineasta, em registro mais discreto, o filme ganha relevo nas interpretações de Josie Antello, tirando partido de sua expressividade facial, e Bel Garcia, aparentemente menos confortável e com pelo menos uma boa passagem, na qual ressalta, via o encontro com um tom de voz afetado e capaz de exprimir um certo frenesi, um pequeno trecho de texto (“subi correndo”). Exceções à parte, os momentos de inesperado e sutil descontrole costumam ser os mais reveladores da verdade humana.



# FILME DE AMOR

Direção: JULIO BRESSANE

Roteiro: JULIO BRESSANE, ROSA DIAS

Elenco: FERNANDO EIRAS, JOSIE ANTELLO, BEL GARCIA

Duração: 116 minutos

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