Críticas


MOSTRA DE SP: RECIFE/SEVILHA…

De: BEBETO ABRANTES
17.10.2003
Por Carlos Alberto Mattos
CABRAL AUDIOVISUAL

O poeta João Cabral disse que gostaria de ter sido cineasta. Porque nos dois ofícios se trabalha com a imagem. Esse pequeno trecho de sua última entrevista, concedida em 1999 a Bebeto Abrantes, parece nortear toda a narrativa de Recife/Sevilha: João Cabral de Melo Neto. O documentário agarra com sofreguidão cada oportunidade de verter o verbo em coisa audiovisual. Até os depoimentos de poetas e intelectuais (brasileiros e espanhóis) sobre Cabral são entrecortados pela pulsão rítmica da música e das imagens.



Nos antípodas do ressecamento promovido por um Eduardo Coutinho em seus documentários, Abrantes faz largo uso de efeitos digitais, bravuras de edição e uma trilha musical intensa. Seu filme é uma construção assumida – e bem-sucedida. Tudo converge para a sensação de concretude que preside a poesia de Cabral. A música de cordas que ouvimos, assim como o flamenco, estão mais próximas da percussão que da melodia. Da mesma forma, os elementos visuais, tributários da videoarte, mostram pessoas, lugares e objetos em fuga permanente, imagens puras e duras sem conotações afetadamente poéticas. A belíssima seqüência das aspirinas é exemplar de uma busca de ícones concretos para cobrir grandes significados na vida e na obra do poeta.



A discussão central do documentário, deixada em aberto, é a influência que as cidades de Recife (a origem, a memória) e Sevilha (a paixão, o exílio) tiveram sobre a poesia de João Cabral. Depoimentos levemente contraditórios como o da filha Inês Cabral e do biógrafo José Castello ajudam a perceber a possível distância entre a condição real do homem e as fantasias que ele erigiu em torno de si. “A vida de um poeta não é feita só de verdades”, complementa o colega Ledo Ivo. De outra parte, pintores, poetas e intelectuais espanhóis dimensionam a importância da passagem do poeta brasileiro pela Espanha – o que não foi pouca coisa.



Uma profusão de filmetes domésticos, verdadeiras preciosidades, completa a riqueza de materiais de Recife/Sevilha. Importante como revelação e apetitoso como exercício de linguagem, o filme de Bebeto Abrantes entra para o rol dos excelentes perfis documentais recentemente produzidos no Brasil.





# RECIFE/SEVILHA: JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Brasil, 2003

Direção e roteiro: Bebeto Abrantes

Duração: 52 minutos

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