Críticas


RIO DE JANO

De: ANNA AZEVEDO, EDUARDO SOUZA LIMA, RENATA BALDI
06.02.2004
Por Carlos Alberto Mattos
A CIDADE TRANSFORMA O ARTISTA

O cartunista francês Jano (pronuncia-se Janô) tem a profissão que muita gente pediu a Deus: é pago para viajar pelo mundo desenhando o que vê. Autor de carnets de voyage dedicados à África e a Paris, ele desembarcou no Rio em fins de 2000 para um novo trabalho do gênero. Um trio de documentaristas acompanhou seus passos, numa espécie de making of do livro (publicado na França em setembro de 2001 pelas edições Albin Michel).



Mas Rio de Jano não se limita ao registro. Além de recontar boa parte da trajetória anterior do desenhista, um dos mais importantes da atualidade, o filme apropria-se do olhar estrangeiro de Jano para rascunhar observações sobre o modo de vida carioca, aí incluídos hábitos verbais e gestuais, e as divertidas contradições que fazem a personalidade da cidade. Jano condensa a vida popular em cenas de grande poder sugestivo. Suas figuras humanas de caras animalizadas fazem um comentário constante dos tipos que se encontram pelas ruas. Ele contrabalança a visão romântica que os franceses bem-pensantes nutrem a respeito do Rio (e, por falsa extensão, do Brasil) com uma atenção minuciosa para os detalhes que denunciam a inexistência de um certo paraíso à beira-mar. Uma praia pode aparecer coberta de lixo, assim como um grupo diante de um bar pode combinar sensualidade, melancolia e miséria numa mesma aquarela.



O documentário tem um aspecto “doméstico” que ora contribui para uma aproximação mais íntima do personagem, ora corteja a mera superficialidade (a visita a uma casa de rock, por exemplo). Entre as maiores qualidades do filme está a ponte que estabelece entre a realidade (magnificamente fotografada por Mario Carneiro) e os desenhos de Jano. Fica claro como se produz o realismo pormenorizado das pranchas, acrescido da liberdade – impossível para um fotógrafo – de sintetizar elementos de vários tempos e lugares numa única cena.



Particularmente reveladora é a seqüência rodada com Jano em sua casa, na França, três meses após o retorno. Jano parece outra pessoa, muito mais introvertida e pessimista que à época de sua estada no Rio. Talvez esteja ali a essência do que esse simpático documentário pretende mostrar: enquanto tentava capturar o espírito da cidade, o artista se transformava à imagem e semelhança dela.





# RIO DE JANO

Brasil, 2003

Direção, produção e roteiro: ANNA AZEVEDO, EDUARDO SOUZA LIMA, RENATA BALDI

Duração: 73 minutos

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário