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“GETÚLIO” E O POLÊMICO ÁLIBI (IM)PERTINENTE

08.05.2014
Por Luiz Fernando Gallego
Não saber de desmandos de seus comandados diretos retira a responsabilidade de um chefe de estado?

À parte as qualidades de produção (fotografia e direção de arte admiráveis), o bom ritmo e as participações eficientes dos atores, o filme "Getúlio", de João Jardim, roteirizado por George Moura, Teresa Frota e pelo próprio diretor, ao enfocar o clima tenso dos 19 dias que antecederam o suicídio de Vargas, talvez defenda a tese de que o Presidente "não sabia" do que seus adversários chamaram de "mar de lama" nos porões do Palácio do Catete.

Segundo o filme, Getúlio Vargas não sabia que sua guarda pessoal, comandada por Gregório Fortunato, chegava a ter 80 membros (quando ele conhecia apenas uns quinze, pois “eram sempre os mesmos” - sic filme); não sabia que a mulher de Gregório tinha um emprego nos Correios, em local que ela - é dito no filme - nem sabia onde ficava; não sabia que uma fazenda de propriedade da família havia sido vendida por seu filho, Maneco, para Gregório - e em valores altíssimos para a época, incompatíveis com os proventos do chefe da guarda pessoal de Vargas; não sabia que Benjamin Vargas, seu irmão, sabia mais do que ele sobre o atentado da Rua Tonelero contra Carlos Lacerda e no qual morreu um major da Aeronáutica.

Figura trágica da nossa História pelo desfecho que deu à crise política enfocada no filme, considera-se que Getúlio teria recebido uma ferrenha oposição de Carlos Lacerda e de Afonso Arinos mais pelas qualidades de seu segundo governo do que pelos seus defeitos e pela corrupção dos que o cercavam, sem que ele soubesse da missa (negra) a metade - isto, sempre segundo a versão do filme.

Os militares que o empurraram de encontro à parede seriam os mesmos (ou tinham o mesmo ideário) do golpe de 1964, ou seja, forças conservadoras contra um governo popular (ou populista - ou ambas as coisas).

Se Getúlio sabia ou não sabia previamente do atentado ou/e da corrupção que o cercava, eu não sei - como não ficou claro para mim se o filme pretende justificar Getúlio por tanto não saber - ou se deixa no ar que, mesmo não sabendo, um chefe de governo é responsável pelo que seus assessores diretos, comandados e familiares fazem. Caberia a mesma hipótese de "domínio do fato" tal como foi usada por parte dos juízes do Supremo que julgaram o dito "mensalão" do PT? Ou está sacramentada a tese do "não sabia" e, portanto, a premissa de que quem não sabe não deve ser responsabilizado?

É ou não é mera coincidência qualquer semelhança do que é tão enfatizado neste filme com, por exemplo, o que ex-presidente Lula já disse em relação a (o que quer que tenha sido) o caso chamado de "mensalão"?

E restaria saber se o presidente Getúlio, não sabendo do que se passava à sua volta, teria afastada sua parcela de responsabilidade sobre os desmandos cometidos por terceiros durante seu governo, a despeito de seus possíveis e históricos méritos.

Seja como for, este filme merece um olhar atento.

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Outros comentários
    1442
  • Susana Schild
    09.05.2014 às 17:53

    Ótimas ponderações, Gallego.
    • 1494
    • Luiz Fernando Gallego
      16.05.2014 às 06:10

      Obrigado, Susana