“Há um mundo na minha cabeça diferente do real. Eu apenas sonhei mais intenso do que os outros”, afirma Angélique, expressando com absoluta precisão o seu estado mental. No entanto, esta conscientização acerca da própria patologia é falsa, decorada, uma forma encontrada para conseguir sair da clínica psiquiátrica em que permaneceu internada durante anos. Trata-se também da síntese perfeita para a protagonista de Bem Me Quer... Mal Me Quer , que não consegue fazer com que a informação racional contamine a esfera emocional.
Por não suportar a sua realidade, Angélique inventa um mundo paralelo (“Se paro de acreditar, o que me resta?”, pergunta) e a diretora Laetitia Colombani se aproveita disto como recurso narrativo. Divide o seu filme em duas partes bem demarcadas, apresentando na primeira a idealização e na outra a verdade. Na passagem procura mostrar que tudo pode ser relativo de acordo com o ponto de vista que se valoriza. Mas ao preencher completamente as lacunas deixadas em branco acaba destinando um papel passivo ao espectador, que já não pode mais colaborar com a sua subjetividade. As possibilidades de interpretação ficam reduzidas a uma única e os contornos sutis da personagem cedem espaço a um jogo calcado na imprevisível contracena entre gêneros diversos. No entanto, mesmo despotencializando observações importantes (a necessidade de Angélique em ser salva) em favor de uma interatividade superficial com a platéia, Bem Me Quer... Mal Me Quer sobrevive graças a presença graciosa de Audrey Tautou, com mais oportunidades aqui do que no estilizado O Fabuloso Destino De Amelie Poulain .
# BEM ME QUER... MAL ME QUER (À LA FOLIE... PAS DU TOUT)
FRANÇA, 2002
Direção: LAETITIA COLOMBANI
Roteiro: LAETITIA COLOMBANI E CAROLINE THIVEL
Produção: DOMINIQUE BRUNNER E CHARLES GASSOT
Trilha Sonora: JÉROME COULLET
Fotografia: PIERRE AÏM
Elenco: AUDREY TAUTOU, SAMUEL LE BIHAN, ISABELLE CARRÉ, CLÉMENT SIBONY, SOPHIE GUILLEMIN
Duração: 92 minutos