Com esta continuação de sucesso de 2001 ocorre um fenômeno informal que podemos batizar, também informalmente, de síndrome da inteligência casual adquirida a posteriori, que tanto acomete certas realizações da cultura de massa, seja no cinema, TV, quadrinhos, música pop, etc. Certos filmes, livros, cantores, etc, parecem sofrer de um excesso de auto-confiança, direta ou indiretamente, motivada pelos elogios que foram feitos à obras (pelo público, por outros membros da indústria cultural, pelos formadores de opnião), que sem muita pretensão inicial, ou muita pretensão bem disfarçada pela forma de diversão fácil aparente, conseguiram desenvolver idéias relevantes. E no desenrolar da carreira, na continuação do filme, no novo livro, os responsáveis acabam perdendo o rumo ao tentar repetir e até suplantar a eficiência anterior.
O primeiro Legalmente Loira, fez sucesso e recebeu elogios (alguns deles muito entusiasmados) pela maneira (assim vista por muitos) como conseguia tratar com simpatia e alguma sapiência um dos ícones da feminilidade moderna, a loirice e sua representação sócio-cultural, e por confirmar o talento como comediante que a jovem atriz Reese Whiterspoon já demonstrara em Eleição (comédia que investia muito mais claramente na sátira social séria). Nesta continuação, a heroína loira-rosíssima (os trajes dela são dessa cor) Elle (Reese) parte rumo à Washington para trabalhar como lobbista em prol do fim de testes de cosméticos em cachorros. Enquanto luta para modificar a indústria de beleza, Elle vive mais algumas aventuras no que se refere a relacionamentos amorosos e de amizade, consumismo, etc.
É perceptível, ao longo da trama, que se não agiram totalmente influenciados pela boa recepção do primeiro, os produtores do segundo filme (alguns deles originários do primeiro; já diretor e roteirista são outros), investiram com mais clareza no tratamento de idéias do que no primeiro filme. Politicamente o filme parece uma plataforma, tão discreta quanto presente, para o Partido Democrata dos EUA, uma plataforma, entre outras coisas, por supressão, pelo fato de que o partido antagonista do Democrata, o Republicano, aparece como contraponto e é citado/satirizado muito mais na história através do personagem do senador. Também politicamente, porém sem filiação partidária direta, o filme tenta traçar um paralelo entre ele e o clássico A Mulher Faz o Homem (citado numa cena), de Frank Capra (39), e são utilizados alguns princípios que podem ser relacionados ao chamado sonho americano, tipo a iniciativa pessoal do indíviduo para mudar a sociedade – os anti-americanos poderão fazer a habitual leitura anti-EUA sobre o aparecimento desses dados; o mesmo pode ser dito em relação à outra estréia nacional da semana, Seabiscuit – Alma de Herói.
O problema é que, para além da mistura de brincadeira com seriedade informal ser por vezes auto-contraditória, nem por isso inválida, a tentativa do filme em ser inteligente soa postiça pela clareza artificial como é feita. Pior, personagens e intérpretes, como Sally Field (que faz a política patroa de Elle) são desperdiçados em situações sem muita graça, e numa direção meio chocha de Charles Herman-Wurmfeld (no lugar de Robert Luketic), do bom Procurando Jessica Stein. Há sim, uma ou outra boa piada, como a descoberta do sentimento amoroso entre dois animais, o personagem simpático do porteiro, e Reese continua com carisma irresistível como comediante. Mas o viço do primeiro filme foi perdido. E a boa sacada do final não deve dar em nada. Como Legalmente Loira 2, nos EUA e fora dele, não conseguiu obter a mesma bilheteria e impacto da primeira parte, é pouco provável que haja uma parte três.
# LEGALMENTE LOIRA 2 ( Legally Blonde: Red, White & Blonde)
EUA, 2003
Direção: CHARLES HERMAN-WURMFELD
Roteiro: KATE KONDELL
Produção: DAVID NICKSAY, MARC E. PLATT
Fotografia: ELIIOT DAVIS
Montagem: PETER TESCHNER
Música: ROLF KENT
Elenco: REESE WHITERSPOON, SALLY FIELD, REGINA KING, BRUCE MCGILL, BOB NEWHART, JENNIFER COOLIDGE, LUKE WILSON.
Duração: 95 min
site: http://www.legallyblonde2.com