Críticas


SEABISCUIT – ALMA DE HERÓI

De: GARY ROSS
Com: TOBEY MAGUIRE, JEFF BRIDGES, CHRIS COOPER, WILLIAM H. MACY
14.11.2003
Por João Mattos
NOSTALGIA DO "AMERICAN DREAM"

A bela bilheteria e o sólido prestígio crítico que Seabiscuit – Alma de Herói acumulou em sua carreira nos EUA (já se palpita que a obra poderá ser indicada à vários Oscar) dificilmente vai se repetir em algum outro lugar mundo afora. Por uma soma de dois fatores, o de se referir à um fato histórico bem conhecido naquele país, e falar do sonho americano (ainda mais claramente que outra estréia nacional da semana, Legalmente Loira 2), o filme (me perdoem o chavão) cala muito mais fundo na alma do povo norte-americano, do que na de outras populações/outros espectadores do planeta. O cavalo Seabiscuit é uma das personalidades esportivas mais conhecidas dos EUA no século XX, devido à carreira de sucesso que cumpriu nos anos seguintes à Grande Depressão americana (causada pela quebra da Bolsa de Nova York em 1929), e o bicho bem como os envolvidos na trajetória dele (jóquei, proprietário e treinador) acabou se tornando símbolo de uma possível reviravolta nos rumos do país.



E o filme não agrada muito devido aos seus defeitos evidentes (metragem excessiva, embora ele seja bem narrado, apelo muito desagradável à pieguice em diversas passagens, tom exagerado de exaltação patriótica, música por vezes irritante), mas é um daqueles caso em que uma obra de arte ganha quando comparada e contraposta à realizações anteriores dos seus responsáveis. Gary Ross, diretor, roteirista e co-produtor (ainda faz uma ponta) estreou em 98 com A Vida em Preto-e-Branco (estrelado por dois atores que trabalham em Seabiscuit, Tobey Maguire e William H. Macy, mais Reese Whiterspoon). Esta estréia foi muito elogiada pela trama e os subtextos que ela trazia, ao mostrar um casal de irmãos dos anos 90 que entrava dentro de um programa de TV em preto-e-branco que mostrava a vida nos anos 50, modificando de maneira radical a vida real que levavam (tal como elas acreditavam) as pessoas que “moravam” dentro do programa.



Este segundo filme de Ross acompanha a carreira de Seabiscuit mostrando seu jóquei (Tobey Maguire), o dono e o treinador, todos eles sofrendo com uma série de intempéries por causa do estado ruim que vive os EUA no começo da década de 30, até conseguirem que o eqüino emplaque uma carreira sensacional e para lá de vitoriosa, servindo como metáfora cinematográfica do livre empreendimento econômico, de pujança social, do reerguer moral de uma país através de um microcosmo simples que toque a sensibilidade das características que forjam o ideário de uma sociedade.



Enfocando os anos difíceis da Depressão num claro tom triunfalista, de vitória sobre as adversidades, Seabiscuit, junto com A Vida em Preto-e-Branco deixa a impressão forte (a ser confirmada em outras realizações do diretor) que Gary Ross é um nostálgico. Porém, um olhar livre do preconceito, ou conceito firmado, suscitado pelos exageros e apelações claros das obras, sugere um passadista mais interessante e menos frágil do que parece à primeira vista. É verdade: o diretor é um nostálgico do sonho americano, só que detalhes de seus dois filmes dão a sensação de que ele não é uma vítima de uma saudade estagnadora, vendo o que há negativo nos períodos de que trata (sobretudo em seu primeiro filme), não só exaltando-os, e acima de tudo, tentando fazer com que essas épocas vivam no momento atual, sendo mesclados às características do cotidiano de hoje em dia.



Duas coisas ajudam a gostar um pouco mais do filme: Ross é um bom condutor narrativo (delicada a maneira como encadeia os acontecimentos trágicos pessoais e sociais da primeira metade), e o elenco, exceção feita à Maguire (em atuação preguiçosa), traz atores excelentes em desempenhos cativantes. Temos Chris Cooper, em sua especialidade, o durão que esconde as emoções, fazendo o treinador; William H. Macy muito adequado como o caricatural radialista bufão; e Jeff Bridges, o melhor de todos e valorizando um papel menos rico (pelo roteiro) que o dos outros, como o ex-milionário dono do cavalo. O ator dá mais uma vez a sensação que é o intérprete injustamente menos louvado de sua geração hollywoodiana (aquela que estourou nos anos 70 e está na casa dos 50/60 anos de idade). Em algumas passagens, quando o ex-milionário sai pelos EUA fazendo discursos que desafiam o proprietário de outro cavalo, para uma corrida-duelo contra seu animal, o ator consegue aproximar Seabiscuit de outro filme que também tratava do sonho americano a subestimada obra-prima (esta sim complexa e perspicaz por completo) Tucker – Um Homem e seu Sonho (88), de Francis Ford Copola, estrelada por ele mesmo, Jeff Bridges, no papel-título.



# SEABISCUIT – ALMA DE HERÓI (Seabiscuit)

EUA, 2003

Direção: GARY ROSS

Roteiro: GARY ROSS

Produção: GARY ROSS, KATHLEEN KENNEDY, FRANK MARSHALL

Fotografia: JOHN SCHWARTZMAN

Montagem: WILLIAM GOLDENBERG

Música: RANDY NEWMAN

Elenco: TOBEY MAGUIRE, JEFF BRIDGES, CHRIS COOPER, WILLIAM H. MACY, VALERIE MAHAFFEY, GARY STEVENS, SAM BOTTONS

Duração: 141 min

site: http://www.seabiscuitmovie.com/

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