Críticas


IRREVERSÍVEL

De: GASPAR NOÉ
Com: VINCENT CASSEL, MONICA BELLUCCI, ALBERT DUPONTEL
07.12.2003
Por Daniel Schenker
O CINEMA DO IRREMEDIÁVEL

Visões atemorizantes da vida estão em cartaz em alguns cinemas. Se em Sobre Meninos e Lobos Clint Eastwood traz personagens que não conseguem lidar com determinadas tragédias e “escrevem” para si mesmos destinos bastante tristes, em Irreversível Gaspar Noé segue por trilha parecida ao mostrar o que pode acontecer quando as pessoas são confrontadas com acontecimentos muito acima de suas capacidades de administração. “Não estamos predestinados, mas o destino escreve a si mesmo. Nossa contribuição é irrisória”, disse Noé, discordando da interpretação acima e defendendo um descomprometimento do ser humano em relação a sua própria trajetória. Paradoxalmente, o cineasta assina um filme de inclusão – no mínimo, a do espectador na explosão de fúria de Marcus, que se depara, “através” de uma câmera “bêbada”, com a imagem de Alex, sua namorada, violentada e espancada.



Desde os créditos de abertura, Gaspar Noé instala uma atmosfera de desestabilização e desnorteamento. Na primeira cena, que funciona como uma espécie de prólogo destituído de uma conexão convencional com o que virá a seguir, um homem afirma ter cometido um deslize ético bastante sério. À primeira vista, suas frases exprimem algum otimismo; mas o clima sombrio e fatal no qual se encontra envolvido parece negar qualquer perspectiva dessa ordem. A frase-símbolo que profere (“O tempo destrói tudo”), retomada ao final, talvez não diga (somente?) respeito ao tempo como remédio para a superação de adversidades as mais diversas. Até porque é da não-superação, pelo menos numa instância imediata, de que trata este Irreversível, que vem causando uma verdadeira celeuma mundo afora por suas, digamos, sequências de choque.



Uma delas desponta um pouco depois. Trata-se de uma longa passagem dentro de uma boate gay, uma espécie de labirinto orgiástico no qual Marcus penetra em busca do agressor da namorada. Uma sequência que culmina num assassinato realizado com requintes de violência. Antes disto, porém, Noé flagra o transe carnal coletivo num registro que pode dividir opiniões: o cineasta estaria sendo corajoso ao mostrar a brutalidade sexual sem retoques ou enveredando por um moralismo velado ao não praticamente permitir que o espectador identifique rostos e ao criar um contexto de “açougue” para toda esta crueza? A boate, do modo como aparece na tela, é resultado da visão do cineasta ou do protagonista?



Divergências à parte, não há uma simbiose durante o tempo todo entre a câmera e o olho de Marcus. Ao que parece, a câmera se impõe como um espírito sinistro.

Uma presença ameaçadora que pressagia acontecimentos amedrontadores. Esta sensação se mantém ao longo de boa parte da projeção, a despeito da própria estrutura do filme, calcada na apresentação de sequências fechadas em ordem inversamente cronológica, que revela para o público o desenlace das situações antes da enunciação dos próprios presságios. “(...) O futuro já está escrito. A prova são os sonhos premonitórios (...) Tive um pesadelo esquisito. Estava em um túnel todo vermelho. E aí o túnel se partiu em dois”, declara Alex, antes de ser violentada mas depois da exibição da polêmica e bem realizada sequência do estupro, que consegue colocar o espectador frente à sua impotência e ao risco diário de se deparar com situações que muito provavelmente deixarão marcas definitivas, apesar das formas de introjeção serem sempre variáveis. Em todo caso, Irreversível surge representando um cinema que destaca a pouca chance de se alterar aquilo que se acredita estar supostamente pré-determinado.



# IRREVERSÍVEL (Irréversible)

França, 2002

Direção e Roteiro: GASPAR NOÉ

Produção: CHRISTOPHE ROSSIGNON

Fotografia: BENOÎT DEBIE e GASPAR NOÉ

Trilha Sonora: THOMAS BANGALTER

Elenco: VINCENT CASSEL, MONICA BELLUCCI, ALBERT DUPONTEL

Duração: 95 minutos

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