O aspecto mais interessante de Amor à Toda Prova é a discussão que ele levanta sobre o fascínio que o mundo das celebridades exerce no imaginário do cidadão comum. O veterano cantor romântico Victor Fox (Jonathan Pryce) povoa os sonhos de inúmeras senhoras de meia-idade como Grace (Kathy Bates), dona de casa cuja rotina se resume ao consumo passivo de horas e horas de programação televisiva. O mundo lá fora é violento demais para que Grace abandone o conforto de seu lar, a não ser, é claro, que ela ganhe um convite promocional para assistir a uma apresentação especial de Victor Fox. No exato momento em que está sendo informada de que ganhou o convite, seu marido dá um basta naquela insuportável vida rotineira e a abandona.
A solução mais fácil e cômoda, para Grace, é que Victor Fox ocupe o espaço deixado pelo marido (o que no fundo ele já vinha fazendo, através de suas canções). Mas Victor Fox, o galanteador romântico, não existe. O que existe é um cantor gay que odeia mulheres e o assédio das fãs, embora, em nome da fama, nunca tenha revelado isso. Em pouco tempo, esse também deixa de existir, porque Fox é assassinado, e é a partir dessa tragédia que a verdade virá à tona e Grace descobrirá o lado menos cor de rosa de sua vida e das celebridades (ou mais cor de rosa, dependendo do ponto de vista).
Para quem não viu o filme, a leitura da sinopse acima dá a impressão de tratar-se de um dramalhão existencial seríssimo. Que nada. A direção e o roteiro são do australiano PJ Hogan, o mesmo de O Casamento de Muriel e O Casamento do Meu Melhor Amigo, duas comédias românticas que flertavam com o kitsch e a farsa (especialmente a primeira). Logo, o tom predominante é de escracho, um caminho perigoso, pois depende essencialmente de atores que encontrem o tom certo e de um texto que prime pela inteligência, senão tudo se perde no histrionismo e no ridículo pelo ridículo.
Infelizmente, é isso que acontece com Amor à Toda Prova. Com exceção de Kathy Bates e de Ruppert Everett (como o amante gay de Fox), além de Julie Andrews interpretando a si mesma numa ponta impagável, o resto do elenco se perde, em especial a nora anãzinha de Grace, que usa o tempo todo a histeria como único recurso cômico. Toda a reflexão sobre mitos e ilusões, citada no início do artigo, vai por água abaixo a partir do momento em que Grace e seu novo amigo gay decidem descobrir quem é o misterioso “assassino do arco-e-flecha”. Nessa hora, Hogan opta deliberadamente pela caricatura e pelo absurdo, numa tentativa mal-sucedida de reviver as antigas screwball comedies americanas, já que o máximo que ele consegue é enfileirar uma dúzia de piadas batidas sobre o universo gay. Poucas fazem rir o espectador mais exigente.
# AMOR À TODA PROVA (UNCONDITIONAL LOVE)
EUA, 2002
Direção: PJ HOGAN
Roteiro: PJ HOGAN e JOCELYN MOORHOUSE
Produção: JOCELYN MOORHOUSE, JERRY ZUCKER, PATTY WHITCHER
Fotografia: REMI ADEFARASIN
Montagem: ROBERT C. JONES
Música: JAMES NEWTON HOWARD
Elenco: KATHY BATES, RUPPERT EVERETT, MEREDITH EATON, JONATHAN PRYCE, DAN AYKROYD
Duração: 121 min.