Da atual safra de comediantes americanos, Seth Rogen talvez seja aquele com maior autonomia autoral. Logo que se tornou conhecido pelo estilo bobão-bom-coração dos filmes de Judd Apatow, junto com a turma formada por James Franco, Jonah Hill, Danny McBride e Paul Rudd - entre outros - começou a assinar projetos próprios até chegar à primeira incursão na direção, o bom É o Fim (2013). A licença de poder realizar histórias com liberdade criativa, mesmo dentro de grandes estúdios, é o diferencial do sucesso de Rogen & Cia. - ao utilizarem um humor contemporâneo que fala diretamente a uma nova geração de homens. O bromance e a irresponsabilidade juvenil, ainda mais para os adolescentes pós-'90s (assumido público-alvo da turma), são conceitos universais – o que explica o sucesso de Rogen.
Nesse sentido, Vizinhos representa uma leve mudança no olhar. É um filme que fala sobre responsabilidades, que coloca a família em conflito direto com a amizade masculina inconsequente. A transição de faixa etária para Rogen aplica-se na narrativa, mas não nas piadas, o que felizmente não faz o filme parecer velho na discussão. Inclusive é muito esperta a sacada dos roteiristas Andrew J. Cohen e Brendan O’Brien quando contextualizam tal discussão na clássica trama de confronto de vizinhos, abertamente suscetível à estrutura de vinhetas cômicas (especialidade de Rogen). No entanto, o que possibilitaria uma sátira ao modo de vida da família americana comum – o antigo adepto da farra é agora o que agora reclama do barulho do vizinho – acaba burocrático na tela.
A trama com potencial perde sua força à medida que se concentra tanto nas relações familiares como nos improvisos de Rogen. Os roteiristas se esquecem de estabelecer um bom número de boas gags para manter o ritmo, e o diretor Nicholas Stoller nada consegue fazer para conceber uma lógica que salve os momentos em que o filme simplesmente se detém para Rogen tentar ser engraçado. O timing de Stoller em conciliar narrativas cativantes com ótimas piadas, que renderam O Pior Trabalho do Mundo (2010), era cuidadosamente controlado quando o inglês roteirizava; a maior prova disso talvez seja o excepcional Os Muppets (2011), escrito por Stoller. Apenas dirigindo, Stoller não tem o arrojo de Edgar Wright para transformar boas gags escritas em boas gags visuais, o que deixa ainda mais clara a desmedida chuva de referências de Vizinhos.
Referências essas que ameaçam a qualidade de boas situações criadas. Gags como a do policial, da imitação de Barack Obama, todas envolvendo maconha, e toda a sequência da festa alucinada (na qual Byrne surpreende) misturam-se com inúmeras citações quem vão de Taxi Driver à Breaking Bad, explicadas à exaustão pelo elenco, como se temesse que o público não fosse notar o moicano de 'Travis Bickle' ou a expressão rabugenta de Robert de Niro. Esse didatismo se estende para o desenvolvimento de personagens (“Sinto falta deles, do confronto”) e para a própria “mensagem” que os roteiristas tentam passar (“Você tem medo deles porque eles representam o futuro!”). Nunca deixa de irritar quando um filme tenta explicar elementos óbvios para o público, mas sob a camada de leveza de Vizinhos o didatismo pareceria inofensivo se não explicasse textualmente algo tão explícito ao longo da narrativa.
Porém, o potencial desperdiçado pelo filme se nota principalmente na entrega de Rose Byrne e Zac Efron. Atores nada conhecidos pela veia cômica, Byrne e Efron brincam com as personas estabelecidas para eles por Hollywood com fluidez. A australiana Byrne é vista como a jovem mãe chata (e com forte sotaque), e Efron é o garanhão musculoso que vive sem camisa e só chama atenção pela beleza. A graça vem quando Byrne começa a xingar compulsivamente ao longo do filme e Efron demonstra o bromance de maneiras quase infantil, sacadas excelentes e que combinam com o humor juvenil de Rogen.
O humor conciso e característico, tão presente na filmografia de Rogen, aparece pouco aqui. Os cacoetes do comediante, assim como o improviso descompassado e a tentativa de ser engraçado “no grito”, denunciam a fragilidade do argumento e sugerem o que se perdeu no filme para soar tão bobo cotejado com Ligeiramente Grávidos (2007) ou com o próprio É o Fim – exemplo de liberdade criativa conciliada com disciplina no timing cômico. O foco no amadurecimento, que toma o fraco terceiro ato inteiro, mostra a falta de tato para alcançar o equilíbrio tão perfeito entre as piadas inspiradas e a inocência das declarações de amizade masculinas dos tipos vividos por Rogen e Cia.
Toques geniais como a piada da Abercrombie, dignos da irresponsabilidade de Superbad (2007), se perdem no meio da crença na tal mensagem familiar. Judd Apatow, em filmes como Tá rindo de que? (2009), sempre oscilou entre os dois, mas nunca pareceu ingênuo. Parece que a responsabilidade como autor pesou em Rogen.