Críticas


SWIMMING POOL

De: FRANÇOIS OZON
Com: CHARLOTTE RAMPLING, LUDIVINE SAGNIER, CHARLES DANCE, JEAN-MARIE LAMOUR
11.01.2004
Por Daniel Schenker
A DESCOBERTA DA METADE OCULTA

Swimming Pool é um filme que vai se revelando aos poucos para o espectador. O diretor François Ozon começa apresentando Sarah Morton, escritora de livros de suspense que alcançou notoriedade através de uma bem-sucedida série detetivesca, valorizando, porém, o desenho íntimo de uma mulher com uma certa fobia de contato humano. Uma caracterização que lembra um pouco a construção de outra personagem complexada, a Érika de A Professora de Piano, de Michael Haneke. No escritório de seu editor, ela tenta explicar a origem de sua perturbação. “Só quero achar... não tem nada a ver com inspiração. Estou cheia de assassinatos, investigações”, afirma, fornecendo a primeira pista para uma das vertentes abordadas por Ozon: a insatisfação diante do sucesso acomodado. O editor sugere que Sarah troque o fog londrino por sua isolada casa localizada numa ensolarada Provence mas o diretor não deixa o espectador sair com ela em viagem sem antes mostrar a ligação da personagem com a bebida, filmar cada ambiente fechado em detalhes e valorizar os tempos silenciosos preenchidos pela atriz Charlotte Rampling, cujo rosto não expressa exatamente ausência e sim um absoluto fastio.



Impenetrável dentro do trem, o rosto de Sarah se abre na chegada ao campo francês. Permanece ainda encastelada mas com uma expressão mais suave. Na casa, escolhe o quarto de frente para a piscina – que, apesar de coberta, exerce, desde o início, uma determinada atração sobre ela – e começa a trabalhar sem interferências e maiores conflitos até ser surpreendida, no meio da noite, pela chegada de Julie, a filha do editor. À medida em que a piscina vai sendo descoberta, primeiro parcialmente e depois por completo, Sarah Morton se depara com uma metade oculta de si mesma, representada pela própria Julie, que expõe a sua intimidade sem maiores reservas. Ao olhar para Julie, Sarah é confrontada com uma nem tão vaga lembrança de experiências passadas (“eu participei das farras londrinas”, conta, numa conversa descontraída), anterior à incorporação dos seus recalques corporais. Em momentos do filme, uma tela invisível – na verdade, bastante visível para o espectador mais atento – parece tomar conta da expressão de Sarah/Charlotte.



O contato atritivo entre as duas repercute em Sarah e é captado com alguma obviedade por François Ozon, que sinaliza o efeito do incômodo ao mostrá-la trocando rapidamente a sua dieta insossa por um prato de chocolate. Num ritmo não tão veloz, ela tira os chumaços de algodão dos ouvidos e passa a escutar o som das relações sexuais de Julie (sensação estendida ao espectador, que ouve ou não o som externo de acordo com a determinação de Sarah em escutá-lo). Como em Swimming Pool os personagens adquirem uma conotação simbólica, é possível que Sarah tenha passado a se escutar, evoluindo, no decorrer da projeção, da postura de espectadora passiva para uma intervenção um pouco mais ativa. Além da utilização do som, os outros recursos técnicos servem de “aliados”, valendo destacar uma trilha sonora que não apenas pontua o mistério mas se impõe como uma espécie de corte que ocasionalmente retira Sarah de sua imersão nos sonhos.



Mas não há dúvidas de que eles são o que mais interessa no filme de Ozon, que, numa das passagens importantes, mostra a fantasia sexual de Sarah, que, atraída por um homem, fecha os olhos e fantasia uma situação na qual ela surge no corpo de Julie. É como se Sarah precisasse da outra para existir plenamente. Não por acaso, a escritora abre no seu laptop uma pasta intitulada Julie e sublinha para o espectador a idéia de que, no processo de criação artístico, o personagem é biombo de seu criador. Assim, a tela transparente é a principal ferramenta do cineasta, que destaca imagens sobrepostas, o diálogo entre uma personagem e a imagem da outra e o próprio espelho d’água da piscina, que, de acordo com exigências de Sarah, vai se tornando cada vez mais transparente.



Talvez pelo fato do tempo simplesmente ter passado impossibilitando-a de re-viver experiências datadas (e se há algum moralismo aqui, este é resultante do próprio julgamento da personagem), Sarah também assume um lugar materno, não só em termos de disponibilidade como de conivência diante dos acontecimentos mais graves. No entanto, por mais conexões que possam ser feitas, Ozon privilegia uma brincadeira algo instigante com gêneros diversos em detrimento de uma investigação vertical acerca do embate do ser humano com o reverso de si mesmo. E no jogo proposto em Swimming Pool Julie não é a única figura que fornece possibilidades diferenciadas de interpretação para além da concreta. A própria Sarah Morton vira personagem de sua história ao assumir, na terça parte final, o papel de cúmplice de um incidente criminal. O terreno de atuação de Sarah não está distante do palmilhado pelo diretor François Ozon, que já flertou com o suspense no despretensioso Oito Mulheres, trabalho escorado na peça de Robert Thomas em que trazia à tona o elo com o universo teatral – outra característica de sua filmografia, exercitada também em Gotas d’água Sobre Pedras Escadantes, realizado a partir de uma obra de Fassbinder. Atrizes recorrentes em filmes do cineasta, Charlotte Rampling (que protagonizou o ótimo Sob a Areia) e Ludivine Sagnier encontram o ambicionado equilíbrio no contraste e seus rendimentos evidenciam uma boa direção de atores.



# SWIMMING POOL – À BEIRA DA PISCINA (Swimming Pool)

França/Inglaterra, 2003

Direção: FRANÇOIS OZON

Produção: OLIVIER DELBOSC & MARC MISSONIER

Roteiro: FRANÇOIS OZON & EMMANUÈLE BERNHEIM

Música: PHILIPPE ROMBI

Fotografia: YORICK LE SAUX

Elenco: CHARLOTTE RAMPLING, LUDIVINE SAGNIER, CHARLES DANCE, JEAN-MARIE LAMOUR

Duração: 103 minutos

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