Críticas


O MELHOR LANCE

De: GIUSEPPE TORNATORE
Com: GEOFFREY RUSH, DONALD SUTHERLAND, SYLVIA HOEKS
18.07.2014
Por Nelson Hoineff
Uma dramaturgia banal, rasa, sem liga.

Sinto às vezes uma ponta de inveja das pessoas capazes de passar o domingo assistindo o Faustão, comendo frango com farofa e ainda assim ser felizes. Elas precisam de muito pouco para desfrutar do lado lúdico da vida. A ausência de ambições intelectuais nada tem a ver, por exemplo, com a busca ou a perda da simplicidade que infelicitou Charles Foster Kane no seu leito de morte. Não me lembro de ter lido em filósofos que se debruçaram sobre a questão da felicidade qualquer referência ao frango com farofa. Mencionam o bem da alma que só pode ser atingido por uma conduta virtuosa (Sócrates), a autossuficiência (Aristóteles), e a condição do ser humano para quem tudo acontece segundo o seu desejo (Kant). Nada, porém, que mergulhe sobre o que me parece essencial: a felicidade está ligada à ausência da percepção da infelicidade. Não sabemos o quanto não sabemos – e isso nos faz feliz.

O indivíduo pode escrever tolices sem fim e ainda assim ser feliz. Os anos 50 cunharam para isso a expressão “bobo alegre”. Pode pendurar na parede a foto de uma flor, arrancada de uma revista, e diante dela sentir orgulho de sua própria sensibilidade. A ausência de repertório, em todos os casos, lhe é benéfica.

Não é o que acontece com Virgil Oldman, o antiquário vivido por Geoffrey Rush em O Melhor Lance, dirigido por Giuseppe Tornatore. Oldman tem um grande repertório no campo da arte. É refinado de muitas outras maneiras. Na de vestir, de comer, de falar. Não é, portanto, o tipo de pessoa capaz de usar uma expressão como “o que faz a arte é um mistério interior”. Diria isso, talvez, se nas paredes de sua casa estivesse uma cópia amassada da Mona Lisa, tirada de um suplemento dominical. Mas não é o que o filme nos mostra. Oldman vive no seu mundo de obras magistrais, e sua casa é parte desse universo. Como é a mansão de Claire (Sylvia Hoeks), a estranha mulher que surge em sua vida querendo vender sua extraordinária coleção. Claire nunca aparece e isso é o que deflagra a curiosidade de Oldman tornada obsessão. Ele é crescentemente obcecado pela mulher que nunca vê. Até que isso aconteça – e muito depois – comporta-se com a sofisticação de um grupo de pagode que vai divulgar seu novo DVD no Faustão. O “mistério interior” permanece no mais absoluto mistério enquanto O Melhor Lance faz desfilar uma inusitada coleção de clichês.

Na sessão para a crítica do Festival de Berlim de 2013, esse desfile arrancava gargalhadas constrangidas da plateia. Cercados de Rubens, Goya e Modigliani, Oldman e Claire desenvolvem uma dramaturgia banal, rasa, sem liga. Ninguém parece muito à vontade num cenário superlativo. Tropeçam em Christus e Rafael, mas se expressam como se estivessem comentando o Fantástico. Não saem do lugar e a “magia interior”, infelizmente, nunca se exterioriza.

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Outros comentários
    1667
  • Suzie
    19.07.2014 às 13:47

    Não concordo, absolutamente, com a crítica do filme feita Nelson Hoineff! Felizmente, nem sempre sigo críticas de filmes e prefiro ir pessoalmente assistir e tirar minhas conclusões. O filme O Melhor Lance é excelente. Prendeu minha atenção o tempo inteiro. Para um filme com poucos personagem e cenários, é surpreendente como a gente fica atento e esperando o desenroral e o final, que alías, foi surpreendente! A-D-O-R-E-I!!! Vale à pena ser assistido. Geoffrey Rush está, como sempre, fantástico. Os outros atores são apenas figurantes! A trama é muito bem bolada e interessante. Abomino alguns críticos que "acham"que entendem do gosto do público e que fazem críticas destrutivas. Afinal, por acso são cineastas, diretores ou pesquisam sobre as opiniões dos cinéfilos de plantão!
  • 1680
  • Marcos Florião
    23.07.2014 às 03:17

    Perfilo de todo com a Suzie em seu comment ! Filme excelente, instigante, adoro o final totalmente aberto. A pergunta do solitário & obsessivo & milionário leiloeiro a seu secretário "como é estar casado?", do alto de sua paixonite pela misteriosa colecionadora, recebe a genial resposta de seu secretário : é comp articipar de um leilão.Nunca se sabe se nossa oferta é a melhor. No mais, excelente trilha de Ennio Morricone - um pleonasmo...rs -, assim como foto & locações & direção de Arte impecáveis. Recomendo !