Responsável por pelo menos dois clássicos do documentário curto no Brasil, Ilha das Flores e Esta Não é a sua Vida, Jorge Furtado faz um bem-vindo retorno à não-ficção fora da TV com o longa O Mercado de Notícias. Projeto nascido, provavelmente, das objeções do diretor ao comportamento da grande mídia brasileira nos últimos 12 anos. Para saber mais, visite o seu blog.
Discutir o papel da imprensa atual é o objetivo do filme. Treze jornalistas comentam as funções do repórter, a relação com as fontes, a partidarização política e a dependência econômica dos meios de comunicação, as mudanças da era online e outros tópicos. Há entre eles os, digamos, integrados, que trabalham na mídia mainstream, e os avulsos, ligados a veículos menores ou blogueiros independentes. As considerações que fazem sobre o ofício se assemelham nos aspectos genéricos (importância da ética, compromisso com a prestação de serviço, etc), mas se distanciam quando se referem à autocrítica e ao funcionamento da imprensa na prática. Jânio de Freitas, falando de dentro da redação da Folha de S. Paulo, é um raro exemplo de integrado que ousa tocar em feridas.
O filme articula esses depoimentos com cenas de uma peça montada especialmente para isso no belíssimo Theatro São Pedro de Porto Alegre. The Staple of News, de Ben Jonson, foi escrita em 1625 como uma sátira ao crescimento dos negócios jornalísticos e ao capitalismo britânico nascente. Na trama, Pila Jr., um jovem milionário dissipador, associa-se a uma agência de notícias cujos personagens se chamam Tagarela, Expectativa, Censura, e por aí afora. Tanto Pila Jr. quanto o dono da agência aspiram à mão de Pecunia, uma riquíssima herdeira.
Na essência, nada mudou quando se vê a aliança dos grandes sistemas jornalísticos de hoje com os interesses de uma burguesia resistente a mudanças mais profundas no país. Furtado insere pequenas análises de casos exemplares da má intenção de grandes jornais e TVs em relação ao governo Lula, como a bolinha de papel de José Serra e a reprodução de um Picasso denunciada como sendo o original numa repartição do INSS. Ele chega a posar de Michael Moore ao visitar a tela legítima no Museu Guggenheim e sua cópia barata no INSS.
Não encontramos aqui a verve habitual de Furtado em manejar camadas narrativas e desnudar um real surpreendente. Com apenas leves insights do processo de filmagem, ele parece menos interessado em construir um "filme inteligente" do que em prestar um serviço de esclarecimento sobre o jornal nosso de cada dia. Isso não deixa de ser uma boa notícia.
P.S. O site do filme contém a íntegra da peça (por enquanto, somente o 1º ato) e do depoimento de cada jornalista.
Leia reportagem de Marcia Vitari sobre um debate em torno do filme.