De forma suave e tangencial, um filme como Sob o Sol da Toscana nos leva de novo a velhas questões referentes à raça, gênero, etc, no que diz respeito à autoria de obras de arte. Em que medida alguém ser negro, mulher, anão, ou homem-branco-ocidental (padrão médio de grande parte das realizações artísticas do mundo), influencia sua atividade criativa?
Sinceramente, fica claro para qualquer um, que Toscana é um filme feminino, devido a quem ele se direciona num primeiro instante, mas o fato de ser dirigido por uma mulher (Audrey Wells, cuja estréia simpática A Lente do Desejo só chegou no Brasil em vídeo), não me parece identificável no sentido de estabelecer um padrão peculiar e específico (estético ou ético), concernente apenas ao olhar de uma mulher, ou coisa parecida (como a alma feminina), que um albino ruivo e paraplégico não faria igual. O que interessa é que Wells consegue alguns resultados interessantes ao narrar a viagem de uma literata americana que vai parar numa das regiões mais adoradas da Itália, depois de levar um grande pé na bunda do marido. Uma viagem, claro, que vai representar uma grande mudança na vida de nossa heroína, a redenção de uma mulher que sofreu uma baita rasteira.
Sinopse e trailer convergem para que se espere uma overdose açucarada de romantismo barato, o tipo de filminho bem recebido apenas por quem gostaria dele por pré-condicionamento, independente da realização em si. Pequenas fraturas que Wells, também produtora e roteirista do filme (adaptado de um livro), consegue colocar no filme ajudam a ir contra essas expectativas. Sim, a trama segue desenrolar mais ou menos óbvio, mas melhorado pela maneira como o roteiro coloca certas situações vividas por Frances (a personagem principal), pelo destino surpreendente de alguns coadjuvantes (como a amiga lésbica grávida), ao lado de alguns clichês reservados aos outros (o jovem polonês que trabalha na obra da casa).
Depois, o aspecto turístico do filme aparece dosado de maneira não enjoativa. Isto tanto na interação entre a personagem e as pessoas do local, cujo sentimento de exotismo mútuo (típico de filmes como este, que tratam de descoberta de novas culturas) é bem colocado, como aspecto físico mesmo, ficando o deslumbramento com as lindas paisagens reservado a momentos breves (como o rápido plano subjetivo de nossa heroína vendo casas da janela de uma sacada no dia seguinte a uma noite de amor), que não chegam a cansar pelo tom . Também são muito simpáticas as citações em cenas e homenagens em diálogos ao genial Federico Fellini, sobretudo a aparição de uma sósia da vendedora de cigarros de Amarcord. Sem falar que quem faz o velhinho das flores, que Frances tanto observa, é ninguém menos que Mario Monicelli, mestre das comédias e, tal como Fellini, um dos diretores mais importantes do cinema italiano.
Nada disso funcionaria sem uma atriz que sustentasse o papel de Frances, e Diane Lane faz isso com muita graça e categoria. Ela conserva a beleza e o charme que teve desde adolescente (em filmes como Um Pequeno Romance ), até mesmo depuradas por marcas do tempo que a conservam com um tipo de beleza encantadora, mas, bem mais importante, à medida que se aproxima dos 40 anos (está com 39), desenvolveu recursos técnicos, virando, sem ser genial (tipo Julianne Moore) uma bela e relevante atriz, como não era aos 19 ou 25 anos. No geral, Sob o Sol da Toscana acaba sendo uma comédia romântica melhor do que se poderia esperar, e um filme-viagem que pode interessar a muito mais gente do que aparenta.
# SOB O SOL DA TOSCANA (Under the Tuscan Sun)
EUA, 2003
Direção: AUDREY WELLS
Roteiro: AUDREY WELLS
Produção: AUDREY WELLS, TOM STERNBERG, SANDY KROOPF
Fotografia: GEOFRREY SIMPSON
Montagem: ARTHUR COHN, ANDREW MARCUS
Música: CHRISTOPHE BECK
Elenco: DIANE LANE, SANDRA OH, RAOUL BOVA, PAWEL SZADJA, GIULIA STEIGERWALT, ANITA ZAGARIA.
Duração: 115 min
site: http://video.movies.go.com/underthetuscansun/main.html