“Todo povo gosta de ser protagonista de suas próprias histórias” , disse o Presidente Lula diante do Novo Conselho Superior do Cinema. Não só o povo, todo indivíduo. Basta reunir a família que alguém começa a lembrar a história daquele grupo de acordo com a sua versão dos fatos. Nada mais angustiante – para quem é da família – e engraçado – para quem não é – perceber que os fatos já não importam mais. Importa como o pai lembra deles. Ou a mãe, ou o irmão. Em Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas , de Tim Burton, o pai Ed Bloom (Albert Finney) parece um daqueles típicos patriarcas americanos dos anos 50, caixeiro viajante distante da criação do filho, Will (Billy Crudup). Mas só parece. Ed compensa as longas horas na estrada com um repertório de aventuras fantásticas que viveu, pelas quais o filho espera ansiosamente antes de dormir. Mas é claro que um dia Will cresce e decide dar um basta naquelas fantasias repetidas à exaustão – inclusive na festa de seu casamento com uma fotógrafa francesa, Josephine (Marion Cotillard).
Quando o filme começa, Will está sem falar com o pai há três anos, até que a mãe (Jessica Lange) o avisa que ele está no fim de sua luta contra o câncer. Will volta, com Josephine grávida, para se reconciliar, como no recente As Invasões Bárbaras , de Denys Arcand. É quando tem coragem de perguntar: “Pai, como foi sua vida de verdade? Quem você realmente é?”. A resposta fica para cada um dos espectadores. O que importa é que Ed Bloom é um artista – no melhor estilo Tim Burton, que não quer saber da realidade, como Denys Arcand. Ele persiste em contar e recontar – de maneira cada vez mais lenta e muitas vezes esgarçada – como livrou sua cidade natal de um gigante; do tempo em que trabalhou num circo que tinha um dono muito estranho (Danny DeVito); como se transformou num herói de guerra; conheceu irmãs siamesas cantoras e pescou um bagre do tamanho de um tubarão. Como já conheçe esta histórias de cor, Will – que não por acaso é um repórter que preza a verdade – vai refazer os passos do pai em busca de pistas.
As histórias paternas – narrados aos pedaços, indo e vindo durante todo o filme – são os trechos visualmente mais encantadores da sessão, que tem a mesma direção de arte impecável e truques que são grandes achados poéticos – como em Edward Mãos de Tesoura , Ed Wood e Marte Ataca . Mas as histórias se ressentem de uma tensão maior e, de delírio em delírio, a narrativa afrouxa e o filme patina um pouco. Neste ponto o espectador se pergunta onde aquilo tudo irá acabar, mas quando a mágica parece ter perdido sua graça, o diretor começa a arrematar as pontas num final extremamente tocante. Termina que o filme – e os desempenhos de Albert Finney e Billy Crudup - são um tributo ao próprio cinema, à arte de contar histórias e ao estilo “Tim Burtonesco” de ver o mundo. Ainda que viva em outra época e tenha outra bagagem, Tim Burton aqui lembra Fellini, enfatizando – como em um Amarcord - que as pessoas e seus sentimentos importam mais do que os fatos e que o cinema, afinal de contas, só vale a pena se é feitos de sonhos.
# PEIXE GRANDE E SUAS HISTÓRIAS MARAVILHOSAS (BIG FISH)
Estados Unidos, 2003
Direção: TIM BURTON
Roteiro: JOHN AUGUST, baseado num romance de DANIEL WALLACE.
Produção: BRUCE COHEN, KATTERLI FRAUENFELDER, DON JINKS, ARNE SCHIMDT, RICHARD ZANUCK.
Fotografia: PHILIPPE ROUSSELOT
Montagem: CHRIS LEBENZON
Direção de Arte: ROY BARNES, ROBERT FECHTMAN, JACK JOHNSON, RICHARD L. JOHNSON
Cenários: NANCY HAIGH
Figurinos: COLLEN ATWOOD
Maquiagem: GLORIA BELZ e JEAN ANN BLACK
Casting DENISE CHAMIAN
Música original: DANNY ELFMAN e EDDIE VEDDER
Elenco: EWAN MCGREGOR (Ed Bloom jovem), ALBERT FINNEY (Ed Bloom maduro), BILLY CRUDUP (Will Bloom), JESSICA LANGE (Sandra. Bloom madura), ALISON LOHMAN (Sandra. Bloom jovem), HELENA BONHAM CARTER (Jenny/ a bruxa), STEVE BUSCEMI (Norther Wilson), DANNY DeVITO (o dono do circo), Robert Guillaume (o medico), Marion Cotillard (Josephine).
Duração: 125min.
site: www.sonypictures.com/movies/bigfish/site.