Críticas


DEMOCRACIA EM PRETO E BRANCO

De: PEDRO ASBEG
30.10.2014
Por Marcelo Janot
Uma aula de cinema, uma aula de cidadania, e uma boa maneira de perceber que se na política o Brasil trilhou o caminho da democracia, no futebol a trajetória foi oposta.

Um popular clube de futebol desafia a ditadura militar de seu país, tendo como líderes um diretor e três jogadores de perfis bem diferentes. O diretor é um sociólogo de 32 anos que entende muito pouco de bola. Entre os jogadores, o intelectual é um médico com nome de filósofo grego, que só começou a jogar profissionalmente depois de formado; o proletário é negro, líder sindical, tem nome de poeta russo e cita Zumbi em entrevistas; quem completa o trio é o garotão rebelde, roqueiro e contestador.

Além da consciência política, os três têm outro aspecto em comum: são cracaços da pelota. Eles criam um movimento democrático que destoa da estrutura rígida e hierárquica do futebol brasileiro. Conquistam títulos em campo, viram símbolos da resistência à ditadura e do clamor popular por mudança. Um deles, astro da Seleção, recebe proposta pra jogar no exterior, mas diz ao povo que fica caso a emenda das Diretas Já seja aprovada. Suspense. O final não é feliz, mas a semente está plantada.

O argumento acima não é fruto da mente criativa de um bom roteirista de ficção. Tudo isso de fato aconteceu naquele agitado período entre 1982 e 1984, quando a Democracia Corintiana mostrou que o futebol poderia ter uso político oposto do que foi feito pelos militares na Copa de 70. Ao som do efervescente Rock Brasil, que se valeu da abertura para driblar a censura com letras engajadas e provocantes, Sócrates, Wladimir e Casagrande, sob a chancela do diretor Adilson Monteiro Alves, deram um show dentro e fora do gramado.

É isso que o diretor Pedro Asbeg mostra no excepcional documentário “Democracia em preto e branco”. A história é contada em ritmo de aventura, com depoimentos de jogadores, músicos, jornalistas e até ex-presidentes como Lula e Fernando Henrique, rico material de arquivo e narração de Rita Lee, que acerta o tom para o texto coloquial e envolvente de Arthur Mulenberg.

Uma aula de cinema, uma aula de cidadania, e uma boa maneira de perceber que se na política o Brasil trilhou o caminho da democracia, no futebol a trajetória foi oposta. O movimento Bom Senso agoniza, a CBF está nas mãos de dirigentes ligados ao regime militar, políticos financiam a construção de estádios em troca de votos e os craques de hoje são, em sua quase totalidade, alienados que só pensam em dinheiro e no próprio ego. Já imaginaram Neymar dizendo que se a tão necessária reforma política de fato acontecer ele deixa de ir pro Barcelona? Pois é. Enquanto isso, mais um gol da Alemanha.

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