É muito difícil achar cópias em VHS de Zombie – O Despertar dos Mortos (Dawn of Dead, de 1978), obra de um mestre do terror, George Romero, cuja refilmagem (de mesmo título em inglês), Madrugada dos Mortos, chegou aos cinemas brasileiros depois de fazer sucesso nos EUA, mas vale a pena procurar (locadoras que trabalham com raridades têm a fita). Comparar os dois filmes é interessante, mas as qualidades desta nova obra valem por si só. De qualquer forma, vale a comparação. O mote básico é o mesmo: um grupo de pessoas cercadas por um bando de zumbis assassinos, se refugiam num shopping center. O original tinha duração maior (139 minutos contra os 100 atuais), tinha um grupo menor de personagens (quatro), os zumbis eram mais lentos, havia um clima de opressão mais credenciada, e o final, embora não exatamente feliz, pelo contrário, era otimista dentro do possível, talvez trazendo para o final dos anos 70, um restolho do sonho flower-power que vinha da década anterior.
Madrugada abraça um distopia total (há um certo comodismo nesses desespero mesmo se levarmos em conta o pessimismo de muitos nesse momento mundial), tem número bem maior de personagens, os zumbis são bem mais rápidos, a narrativa, mais agilizada no plano dramático (o shopping não é mais quase que o cenário único da trama) e no plano estético (narração mais veloz). Em comum, o fato de que nos dois filmes, não há explicação para a existência dos zumbis, os dois deslancham sua narrativa desde a abertura (o primeiro, num estúdio de TV, o segundo numa longa e ótima seqüência envolvendo a enfermeira feita por Sarah Poley), sem se preocupar em racionalizar o Mal (ao contrário de outro clássico de Romero, A Noite dos Mortos-Vivos, de 1968). E onde o original fazia uma crítica ao consumismo, temos o grande acerto deste filme: a criação de uma atmosfera de convivência humana muito interessante, pela via de excitação normal de uma fita de terror comum, porém com a argúcia que só os filmes relevantes desse gênero possuem. Retratando seres humanos acuados por uma violência alucinante, e que tentam criar uma rotina de vida normal (dentro do shopping) até não suportarem mais o perigo e a tensão que as consome, Madrugada atinge a excelência.
É por isso que o filme vale não apenas pela riqueza da comparação com o original, mas como já mencionado, por si só. Madrugada mostra simbolicamente (e sem um pingo de afetação discursiva), através dos sintomas do estresse social que atormentam uma sociedade, e que são ao mesmo tempo íntimos por mexerem com a vida pessoal dos indivíduos, uma tentativa de normalização do caos, da insanidade, até o limite em que as pessoas não aguentam mais e precisam reagir, buscando a sobrevivência de forma desesperada, mesmo que isso signifique uma possível derrocada final.
Snyder tem o auxílio luxuoso de uma bela montagem, e sobretudo, de uma excelente fotografia (desde já uma das melhores do ano), de Matthew F. Leonetti (um especialista em filmes com cenas de ação, aventura e policial; é preciso fuçar para achar filmes dramáticos, etc, na filmografia do cara). A luz do filme tem uma coloração meio podre, ocre, de um esverdeado com alguns tons dourados, que traduz uma morbidez constante no ar. E o filme ainda tem seqüências de primeira linha com os créditos de abertura e encerramento. Por vários motivos (entre eles, as obras corretas que estão chegando ao cinema, muitos lançamentos de inéditos nas salas direto em DVD/VHS), o cinema de terror vive um bom começo de 2004 no Brasil. Madrugada dos Mortos é mais uma prova disso.
# MADRUGADA DOS MORTOS (Dawn of Dead)
EUA, 2003
Direção: ZACK SNYDER
Roteiro: JAMES GUNN
Produção: MARC ABRAHAM, ERIC NEWMAN, RICHARD P. RUBINSTEIN
Fotografia: MATTHEW F. LEONETTI
Montagem: NIVEN HOWIE
Música: TYLER BATES, TREE ADAMS
Elenco: SARAH POLEY, VING RHAMES, JAKE WEBER, MEHKI PHIFER, LINDY BOOTH, KIM POIRIER, MATT FREWER
Duração: 100 min
site: http://www.dawnofthedeadmovie.net/
