Críticas


DIA DEPOIS DE AMANHÃ, O

De: ROLAND EMMERICH
Com: DENNIS QUAID, JAKE GYLLENHAAL, EMMY ROSSUM, DASH MIHOK
31.05.2004
Por Nelson Hoineff
A ERA GLACIAL DA INTELIGÊNCIA

O desenvolvimento das técnicas de efeitos especiais pode ser comparado em importância ao desenvolvimento das técnicas de ilusão de movimento que deu origem ao próprio cinema. Os efeitos especiais determinam novas sintaxes e conseqüentemente novos discursos. Abrem caminhos para um leque infinito de formas de expressão e geram a conquista de novas linguagens, muito diferentes entre si. A maneira de Chris Columbus construir uma narrativa em Harry Potter, por exemplo, nada tem a ver com a de Peter Jackson em O Senhor dos Anéis – mas os filmes que um e outro fazem seriam inviáveis sem a sólida ferramenta representada pela combinação dos efeitos especiais e dos efeitos visuais que eles utilizam e que não é apenas um instrumento mas está na base de suas filmografias.



Da mesma forma, o diretor Roland Emmerich tem se valido de efeitos especiais sofisticados para a construção de formas narrativas bem diferentes de Jackson ou Columbus. Em filmes como Independence Day ou Godzilla, é essencial que o espectador acredite na destruição que monstros ou seres extra-terrestres estão causando a grandes cidades com os quais ele está bastante familiarizado. Não se trata de civilizações longínquas, com as quais a platéia tem contato apenas pelo cinema; trata-se da próxima esquina, onde ele vive ou onde vai com freqüência visitar um parente. O espectador conhece bem essa paisagem, é íntimo dos prédios que ali estão, das lojas ou das estações do metrô. Não é fácil fazê-lo acreditar que seres estranhos, gigantescos ou de outros mundos, instalaram-se ali. Isto só pode ser feito através de efeitos especiais incrivelmente realistas.



Em O Dia Depois de Amanhã isso é levado à perfeição. Quando um prédio de Los Angeles está congelando em segundos, pode-se identificar cada uma das janelas das imensas torres que circundam Beverly Hills. Quando uma onda gigantesca invade Manhattan pelo sul, pode-se distinguir cada detalhe do estrago que ela vai provocando, de Battery Park até a rua 42, em frente à biblioteca pública. É difícil, é praticamente impossível não se envolver.



Mas o envolvimento que esse rigor detalhista impõe gera também uma grande responsabilidade. Se o espectador, se a massa de espectadores para a qual o filme é construído, é capaz de acreditar sem problemas – porque está vendo isso muito claramente – que Nova York está soterrada pelo gelo, então ela é levada a acompanhar com naturalidade o que acontece em torno dessa grande tragédia. E o que acontece é o reducionismo de todas as emoções humanas à sua forma mais elementar e o desfile de um conjunto de tolices que parece saído de alguma paródia bem pouco sutil.



O espectador é informado, por exemplo, que uma reunião de cúpula para discutir o aquecimento global não é muito diferente de uma emissão do Casseta e Planeta. Que tanto um meteorologista de fama internacional (Dennis Quaid) quanto o vice-presidente dos EUA (Kenneth Welsh) discutem as alterações climáticas na Terra como se estivessem no programa da Luciana Gimenez. O espectador vê o hemisfério norte sendo dilacerado enquanto uma das poucas pessoas que poderiam, com seu conhecimento, salvar milhões de vidas (Quaid) prefere partir a pé, de Washington a Nova York, procurar seu filho, como se estivesse partindo para uma estação de esqui em Aspen.



O frio extremo parece ter congelado o cérebro de todos os personagens, que agem e falam, sem exceção, como perfeitos débeis-mentais. Ou Emmerich, que também escreve o filme, pretende descrever uma civilização de perfeitos idiotas, ou sua concepção dos personagens é que não lhes confere qualquer forma de abrigo para a inteligência. Jack, Sam, Laura, Jason e Lucy – os únicos que parecem ter sobrevivido em Nova York – estão presos na biblioteca pública como se estivessem na casa do Big Brother, sem Pedro Bial. A relação entre eles é marcada pelo mesmo nível singular do reality shows. Eles são capazes de queimar todos os livros do local para se manter aquecidos, mas nem uma cadeira, nem um simples pé de mesa. Lá fora, é como se uma chuvarada os estivesse impedindo de ir ao CBGB.



A sucessão de clichês e de algumas das mais pesadas sandices de que já se ouviu falar sobre as conseqüências do aquecimento global – que é o tema do filme – assusta mais que a chegada de uma nova era glacial. Pequenas peças de humor salpicadas sobre o filme – norte-americanos tentando fugir ilegalmente para o México, o presidente da República fazendo pronunciamento à nação através do Weather Channel, os EUA perdoando a dívida do Terceiro Mundo em reconhecimento ao abrigo dado aos refugiados – são tão sutis quanto o texto de A Praça é Nossa.



A notável capacidade de envolvimento que os efeitos especiais quase perfeitos contidos em O Dia Depois de Amanhã é capaz de provocar no espectador merecia que ele fosse contemplado com um pouco mais de informação responsável sobre o que está tratando o filme e um pouco mais de respeito à sua capacidade de distinguir as emoções que afloram entre seus semelhantes. Porque não parecem seres humanos que estão soterrados sob o gelo em Tóquio, Londres, Los Angeles ou Nova York. Parecem seres alienígenas saídos de outro filme, que invadem a Terra para fazer brotar a burrice.



# O DIA DEPOIS DE AMANHÃ (THE DAY AFTER TOMORROW)

EUA, 2004

Direção: ROLAND EMMERICH

Roteiro: ROLAND EMMERICH E JEFFREY NACHMANOFF

Fotografia: UELI STEIGER

Elenco: DENNIS QUAID, JAKE GYLLENHAAL, EMMY ROSSUM, DASH MIHOK

Duração: 124 min.

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