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NA CONTRAMÃO DO MOMENTO

30.01.2015
Por Daniel Schenker
Mostra de Tiradentes chama atenção para um cardápio distante do valorizado nos dias de hoje.

A Mostra de Cinema de Tiradentes possui um evidente caráter de resistência ao apresentar uma programação formada por filmes notadamente autorais que muitas vezes não chegam a desembarcar nas salas de cinema ou, quando conseguem, ficam pouquíssimo tempo em cartaz, sem chance diante da série de blockbusters e da indisponibilidade de considerável parte do público de entrar em contato com obras menos aceleradas e descartáveis.

Cabe, claro, relativizar esse quadro: nem todo filme autoral é bom e nem toda produção de grande porte é ruim; e o ritmo, lento ou acelerado, não deve ser empregado como critério para qualificar uma obra. Mas em que medida a experiência artística sobrevive num mundo tomado por falsas urgências, avesso a imersões e a propostas contemplativas? Estas e outras questões vieram à tona no debate que abriu a 18ª Mostra – intitulado Qual o Lugar do Cinema?, com o crítico e curador Cleber Eduardo e o cineasta Felipe Bragança, mediado pelo crítico Francis Vogner dos Reis.

Ao exibir filmes com pouca entrada no circuito, a Mostra de Tiradentes parece colocar em tensão o tradicional sentido de utilidade. Os mais pragmáticos podem perguntar: para que reunir trabalhos que talvez fiquem restritos aos dias de evento na aprazível cidade mineira? A Mostra busca justamente valorizar o que vem se tornando antigo: um cardápio cinematográfico distante do sublinhado (no que se refere não só aos blockbusters como às produções candidatas ao Oscar que suscitam expectativa) e o debate a partir da apreciação das obras e de reflexões lançadas pela curadoria.

Este último ponto realça o perfil de resistência da Mostra numa época em que a experiência coletiva se revela conflituosa, a julgar pelos crescentes embates nas salas de cinema devido à postura de uma faixa de espectadores, que se concedem determinados direitos (manipulação de telefone celular) em detrimento dos demais. Problemas relacionados à qualidade da exibição, num momento em que o cinema deixou de ser uma diversão popular, também fazem com que aqueles que desejam preservar a integridade do contato com a obra se isolem cada vez mais em seus cinemas particulares, estruturados dentro das próprias casas.

Diante da comparação entre passado e presente, um lugar-comum sobressai: a recorrente constatação de que hoje não é melhor nem pior do que ontem, mas diferente. É possível que essa neutralidade algo artificial decorra de um temor em assumir um sentimento nostálgico. Em grande parte das declarações, a nostalgia é negada, como se existisse uma repulsa coletiva a essa percepção, como se a saudade (ou o culto) do passado precisasse ser evitada a todo custo tendo em vista que não há como recuperá-lo.

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