Em meio à polêmica sobre linguagem televisiva x cinematográfica por causa do filme Olga, Crimes em Wonderland pode servir como fonte de discussão sobre outro velho debate, em que se lidam com outros velhos preceitos e preconceitos do audiovisual, que é a respeito de filmes que têm uma grande exuberância técnica e ritmo imagético intenso. A trama trata de um período obscuro e sórdido da vida do mais famoso ator da história do cinema pornô mundial, o norte-americano John Holmes (morto em 89 por causa da AIDS), que graças às suas atuações nos anos 70, virou para seus fãs um legítimo ícone da cultura de massas e das mudanças nos costumes sexuais nas últimas décadas. Na época em questão, começo dos anos 80, Holmes (no filme, Val Kilmer) vivia uma decadência sem fim, com problemas financeiros e um consumo de drogas para lá de voraz.
Por causa desses problemas de droga e grana, ele se envolveu em assalto a traficante palestino morador de Los Angeles, que terminou em chacina vingativa desse cara contra alguns dos que o roubaram. Para narrar esses fatos, Crimes em Wonderland, se vale de um trabalho de câmera alucinante, montagem muito picotada, alternada com longos planos usando a steadycam, e som com alguns truques (como pontuais dessincronias entre falas dos personagens e voz dos atores). Esta utilização em si não é errada, nem vazia, no que pese a rabugice tacanha de muitos com cinema desse tipo (costumam relacionar essa rapidez imagética à uma suposta superficialidade artística). Não é por isso que este filme é péssimo. Nem por mostrar porraloucas fazendo porralouquices, pois vários filmes que não são ruins o fazem, como Trainspotting, Spun, e o filme-que-todos-amarão odiar neste Festival do Rio, Um Lugar no Coração - que não é de todo bom, choca em sua degradação, mas de jeito nenhum é esse lixo artístico todo que a unânime negativa em torno dele tem decretado.
Crimes em Wonderland é ruim por empregar esses recursos de uma forma pirotécnica, de formalismo sem peso. Roteiro e direção desperdiçam possíveis linhas de desenvolvimento; Crimes em Wonderland, nem é o drama intimista de um sujeito fora de si, escravo de seus desejos e em plena ruína, nem consegue articular um comentário social que sugira o entralaçar da decadência pessoal de Holmes com o destroçamento das utopias sexuais dos anos 70 (já diferentes dos 60), pela via dos excessos e ambições desses mesmos desejos. Pode-se argumentar que esta cobrança é pelo que o filme não faz (ainda que poderia fazer) e que deve ser julgado pelo que a obra realmente trata.
Pois do que esta obra acaba tratando é da encenação do plano de assalto e do tiroteio, no que incorre em um fetichismo gráfico tolo e banal , usando o velho esquema (a la Rashomon) das versões diferentes de um mesmo crime, contraditórias e sem que se chegue à verdade. No resultado de trabalho do elenco cult, o rendimento é uniforme: todos estão péssimos, até mesmo a excelente Lisa Kudrow (da série Friends) e o talentoso dramaturgo e ator Eric Bogosian, este prejudicado por ter que fazer um sotaque bem postiço para seu traficante .
# Crimes em Wonderland (Wonderland)
EUA, 2003
Direção: JAMES COX
Elenco: VAL KILMER, KATE BOSWORTH, LISA KUDROW, DYLAN MCDERMOTT, ERIC BOGOSIAN, JOSH LUCAS.
Duração: 99 min