Críticas


QUE HORAS ELA VOLTA?

De: ANNA MUYLAERT
Com: REGINA CASÉ, CAMILA MÁRDILA, KARINE TELES
31.08.2015
Por Daniel Schenker
A fotografia, o trabalho de som e, principalmente, as interpretações dos atores merecem aplausos num filme com capta com precisão a estratégia da cordialidade.

Em “Que horas ela volta?”, novo filme de Anna Muylaert, os atores alcançam apreciável grau de naturalidade, dando ao espectador a sensação de que não estão representando. A constatação vale para todo o elenco, mas Regina Casé, Camila Márdila e Karine Teles merecem menção especial.

Val (Casé) deixou Jéssica (Márdila) no interior de Pernambuco para trabalhar em São Paulo. Torna-se empregada doméstica na casa de Bárbara (Teles) e Carlos (Lourenço Mutarelli), estabelecendo convívio amistoso com os patrões. A chegada de Jéssica, porém, evidencia a permanência da hierarquia entre patrões e empregados, suavizada apenas por uma capa de informalidade, por um jogo de cena.

As tensões, inicialmente disfarçadas, se explicitam à medida que a projeção avança. Jéssica rompe com a estrutura de funcionamento instituída ao se recusar a assumir a posição submissa de Val. Afirma seu valor diante da família rica, buscando inclusão nesse meio privilegiado. Adota postura de superioridade em relação à mãe, que divide sua frustração com Edna, também empregada. Essa personagem é feita por Helena Albergaria, atriz da Cia. do Latão que integrou a montagem de “O patrão cordial” (apropriação de “O senhor Puntila e seu criado Matti”, de Bertolt Brecht), que, a julgar pelo título, pode ser conectada a esse filme.

“Que horas ela volta?” ainda aborda os impactos decorrentes da ausência da figura materna, tanto ao frisar a intensidade do apego entre Fabinho (Michel Joelsas), o filho dos patrões, e Val, bem maior que o existente entre ele e Bárbara, quanto ao revelar a imagem idealizada que Jéssica tinha de Val, construída durante os mais de dez anos de afastamento e quebrada a partir do contato com a mãe em São Paulo.

Apesar de ingênua, Val sabe de eventuais segredos dos moradores da casa (o cigarro de Carlos – o patrão ocioso –, a maconha de Fabinho). A ocultação de alguns fatos talvez esteja ligada ao destaque a espaços nos quais as ações principais não acontecem – como o corredor próximo aos quartos –, mas que trazem informações. Premiado nos festivais de Sundance e Berlim, “Que horas ela volta?” soma pontos com a fotografia de Bárbara Alvarez e o trabalho da equipe de som.

Texto publicado no jornal O Globo no dia 28/08/2015

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Outros comentários
    4133
  • ivan
    02.09.2015 às 02:49

    Uma obra que mostra o talento cinematográfico brasileiro para o mundo!