Críticas


LÍNGUA – VIDAS EM PORTUGUÊS

De: VICTOR LOPES
28.10.2004
Por Carlos Alberto Mattos
MOSAICO FALADO

A chamada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa tem sido tudo, menos uma comunidade. Separados por milhares de milhas de oceanos e práticas culturais muito distintas, que pode a língua para aproximar, na prática, Brasil e Moçambique, Angola e Macau, Portugal e Goa (Índia)? Ainda mais quando a “última flor do Lácio”, à força de misturas e adaptações radicais, se metamorfoseia tanto entre uma região e outra que um filme como Língua – Vidas em Português tem que depender das legendas para se fazer entender por todos?



A pretexto de tratar da pátria idiomática, o documentário de Victor Lopes (um moçambicano de nacionalidade portuguesa que vive há 25 anos no Brasil) acaba por sublinhar esse paradoxo da diversidade total, até mesmo por sua estrutura marcadamente fragmentada. Aqui um vendedor de balas em ônibus cariocas conta como se livrou da delinqüência a bordo da palavra de Deus; ali dois jovens pendurados no estribo de um bonde de Lisboa comentam a vida na cidade; acolá um “sapador” explica seu ofício de localizar e desarmar minas terrestres nos campos de Moçambique. O filme viaja ao sabor dos temas das conversas e de uma montagem associativa relativamente simples, procurando alternar documentação de cotidiano, depoimentos discursivos mais formais e cenas de ritos culturais próprios de cada grupo.



De um lado, personagens, digamos, comuns falam de si mesmos: um cozinheiro brasileiro em Tóquio, indianos orgulhosos de sua diferença lingüística em Goa, um jovem rapper da Beira (Moçambique) que adoraria viver nos EUA etc. De outro, celebridades como José Saramago, João Ubaldo Ribeiro, Martinho da Vila, integrantes do grupo Madredeus e o escritor moçambicano Mia Couto fornecem instrumental reflexivo e poético. Enquanto estes falam geralmente sobre a língua, os primeiros expressam-se através da língua. Essa combinação da fala “abalizada” e genérica com a dicção popular e individualizada dá ao filme a abrangência de uma boa reportagem horizontal.



O vai-vem e a fragmentação atendem a pressupostos de ritmo, embora vez por outra deixem uma impressão de ligeireza mais afeita à reportagem de televisão que a um documentário de cinema. Victor Lopes domina competentemente a linguagem escolhida, mas dá para especular se um roteiro menos recortado não serviria ainda melhor à coesão do seu filme.



Independente do que se fala e de onde se fala, Língua é – vale o clichê – música para os ouvidos. A variedade e as surpresas do idioma espalhado pelo mundo formam um mosaico multicultural verdadeiramente fascinante. O som direto é de ótima qualidade e as belas imagens captadas pelo fotógrafo Paulo Violeta garantem um passeio sedutor. Eis um filme que consegue capturar o abstrato do seu tema e dar-lhe corpo, assim como Janela da Alma o fizera com os mistérios do ver e não ver. Se bem trabalhado no mercado, como parece que vem sendo feito, poderá repetir o sucesso obtido por João Jardim e Walter Carvalho. Janela da Alma foi visto por cerca de 130 mil pessoas, índice raro para filmes não ficcionais.



Língua traz a novidade de inaugurar um circuito de exibição digital que pode vir a ser a melhor solução para o escoamento da boa safra de documentários brasileiros à espera de uma chance nas salas de cinema. Ainda falta aprimorar o sistema para evitar pequenos saltos na imagem, mas o caminho está aberto e o prazer do espectador, garantido.



# LÍNGUA – VIDAS EM PORTUGUÊS

Brasil/Portugal, 2003

Direção: VICTOR LOPES

Roteiro: ULYSSES NADRUZ, VICTOR LOPES

Produção: RENATO PEREIRA (TV ZERO), SUELY WELLER (SAMBASCOPE), PAULO TRANCOSO (COSTA DO CASTELO)

Fotografia: PAULO VIOLETA

Som direto: PAULO RICARDO NUNES

Montagem: PIU GOMES, PEDRO BRONZ, VICTOR LOPES

Duração: 105 minutos



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