Críticas


LUTERO

De: ERIC TILL
Com: JOSEPH FIENNES, ALFRED MOLINA, BRUNO GANZ, PETER USTINOV
24.11.2004
Por Carlos Alberto Mattos
A PAIXÃO DE LUTERO

É bem provável que Lutero tenha sido concebido como uma resposta ao sermão hollywoodiano de Mel Gibson com o seu Paixão de Cristo. Que outra razão levaria a Thriven Financial for Lutherans, um banco pertencente à igreja luterana americana, a entrar com 50 milhões de dólares na produção de um filme, em lugar de continuar apenas fabricando cachecóis, levantando dinheiro para pesquisas contra o câncer de mama ou ajudando a levar crianças para a escola no Nepal?



Esta superprodução alemã com capital e elenco internacionais, falada em inglês de épico romano, tem o mesmo didatismo, a mesma inspiração fundamentalista e uma tipologia de personagens equivalente à do circo de horrores de Gibson. Com menos sangue, felizmente, já que Martinho Lutero, do ponto de vista terreno, teve bem mais sorte do que Cristo, sobrevivendo o bastante para casar-se e envelhecer ao lado de seus seis filhos.



A história de Lutero, como contada no filme, é mais uma crítica feroz à igreja católica no século 16 que uma biografia do monge rebelde que plantou as bases do protestantismo. Os prelados católicos, salvas as exceções de praxe, não passam de uma corja de libertinos e exploradores do povo. Lutero revolta-se contra a mensagem de um deus punitivo e colérico, propondo uma alternativa mais tolerante e despojada. Insurge-se contra a comercialização de indulgências e de relíquias, base econômica da dominação romana sobre outros estados da Europa. De alguma maneira, sua postura assemelha-se à de Jesus, que também teria desafiado os poderes espirituais e as leis do seu tempo.



Uma característica, porém, retira esse Lutero da galeria de heróis de gesso: sua determinação e coragem não vêm de uma fibra inquebrantável, mas são frutos de incertezas e suplícios íntimos que ele exorciza na reclusão das celas monásticas. Porque duvida da sua capacidade de resistir e desconhece as possíveis conseqüências de sua cruzada, ele é mais uma figura trágica que um revolucionário convicto. Tanto que a sublevação camponesa, concluída com milhares de mortos na Alemanha, é dada como resultado não da sua ação direta, mas da insuflação de seguidores radicais.



Como cinema, Lutero parece uma superprodução de televisão fermentada para a tela grande. Cada personagem recebe uma tinta específica e basta esperá-lo reaparecer mais adiante para exercer a função prevista. Isso vale tanto para o maravilhoso Peter Ustinov, em seu último papel no cinema como o príncipe Frederico, o Sábio, quanto para a garotinha portadora de deficiência física que representa, argh!, a consciência de Lutero. Joseph Fiennes (Shakespeare Apaixonado) não tem o physique du rôle adequado, mas empresta uma fragilidade que, de certa forma, redimensiona o papel. O roteiro, por sua vez, falha clamorosamente no desenho das transformações que levaram Lutero a casar-se com uma freira apóstata e atropelar o dogma do celibato na letra de sua doutrina.



Quanto mais se conhecer História, mais se encontrarão manipulações, meias-verdades e supressões de contexto político-econômico nesse Lutero de ocasião. Nada, por exemplo, a respeito do seu proverbial antisemitismo. É a Hollywood européia em plena ação. Filme difícil de vender em país católico como o nosso, pretende divulgar os fundamentos de uma religião que está na base do cisma atual entre católicos e evangélicos. Seria interessante, se não fosse tão pasteurizado e “oficial”.





# LUTERO (Luther)

Alemanha, 2003

Direção: ERIC TILL

Roteiro: CAMILLE THOMASSON, BART GAVIGAN

Fotografia: ROBERT FRAISSE

Montagem: CLIVE BARRETT

Música: RICHARD HARVEY

Desenho de produção: ROLF ZEHETBAUER

Elenco: JOSEPH FIENNES, ALFRED MOLINA, BRUNO GANZ, JONATHAN FIRTH, PETER USTINOV, CLAIRE COX, UWE OCHSENKNECHT

Duração 121 min

Site do filme: www.lutherthemovie.com

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