Críticas


CIDADE DE DEUS

26.09.2002
Por Marcelo Janot
BOM GOSTO E ADEQUAÇÃO

Quando um filme tem vocação para a polêmica, tudo nele é motivo de discussão. E quanto mais discussão, mais gente quer assisti-lo. Cidade de Deus não é uma unanimidade, mas é um sucesso de público e colocou o cinema nacional novamente em pauta nos papos de mesa de bar. Bom para o nosso cinema.



Pois não é que até na trilha sonora do filme foram achar defeitos? Agora que o CD com a trilha de Cidade de Deus está chegando as lojas, é possível analisá-la mais friamente. E perceber o belo trabalho feito por Antonio Pinto e Ed Côrtes, responsáveis pela música originalmente composta para o filme e pela escolha das canções utilizadas.



O que acontece é que, quando se está disposto a enxergar defeitos num filme, basta ater-se aos detalhes e ignorar o conjunto. Assim, é fácil acusar de óbvias a utilização de Metamorfose Ambulante (Raul Seixas), na cena em que Bené assume um visual “cocota”, ou de Alvorada (Cartola), num nascer do dia na favela, ou ainda de hits de James Brown e KC And The Sunshine Band no baile funk setentista. Mas não se deve confundir obviedade com adequação. E, num filme cuja opção estética não se caracteriza pelo estranhamento, a utilização destas e de outras músicas confere harmonia à narrativa, pontuando-a sem tirar o foco do espectador sobre o filme.



Qual a obviedade que há em utilizar Nem Vem que Não Tem (Wilson Simonal), o hino da “pilantragem” romântica dos anos 60? Ou então No Caminho do Bem, faixa do antológico e raríssimo LP que Tim Maia gravou quando pertencia à seita Universo em Desencanto e pregava a “imunização racional”? São escolhas que refletem, antes de tudo, o bom gosto e a originalidade dos responsáveis pela trilha – só para lembrar, o filme anterior de Fernando Meirelles, Domésticas, também chamava a atenção pela boa seleção de pérolas do cancioneiro “brega”.



Além do mais, Antonio Pinto e Ed Côrtes mostram uma faceta como compositores diferente daquela que Antonio havia mostrado em Central do Brasil e da que ambos mostraram nas trilhas de Abril Despedaçado e do documentário Onde a Terra Acaba. No lugar das melodias emotivas, com o uso de cordas e orquestras, o score instrumental de Cidade de Deus é ágil e empolgante como a narrativa do filme. Os primorosos temas funkeados Meu Nome é Zé, Vida de Otário e Funk da Virada conseguem compensar a ausência de James Brown e KC no disco. A sensual A Transa lembra o estilo ambient retrô do duo francês Air adaptado para os trópicos. E a música-tema Convite Para Vida, parceria com o versátil cantor-compositor-ator Seu Jorge, é um sambão com coro da Velha Guarda da Mangueira, que encerra o filme em alto astral (outra opção criticada).



Só faço ressalvas à reutilização de Preciso Me Encontrar, a belíssima música de Candeia interpretada por Cartola. Ela já está definitivamente identificada com o antológico final de Central do Brasil, e me pareceu uma solução preguiçosa de Antonio Pinto colocá-la outra vez para pontuar uma cena dramática (a morte de Cabeleira), como se não houvesse opções no vasto e riquíssimo repertório de samba de raiz brasileiro – como o de Nelson Cavaquinho, por exemplo, que já teve sua Luz Negra como tema de A Falecida, de Leon Hirszman.





#CIDADE DE DEUS

Gravadora: BMG

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