Críticas


A FLORESTA QUE SE MOVE

De: VINICIUS COIMBRA
Com: GABRIEL BRAGA NUNES, ANA PAULA ARÓSIO, ANGELO ANTONIO, NELSON XAVIER
06.11.2015
Por Luiz Fernando Gallego
O aprisionamento ao texto original recriado em nossa época nem sempre cai bem, mas há momentos marcantes, especialmente pelo elenco.

Depois de ter “ousado” filmar uma nova (e ótima) versão de A Hora e a Vez de Augusto Matraga, Vinicius Coimbra demonstra mais coragem ao retomar a peça de Shakespeare que muita gente de teatro nem ousa dizer o nome, “Macbeth”, em adaptação para os dias atuais em um país que, pelas placas dos carros vistos em algum momento, pode ser o Brasil. Mas também poderia se passar em outra nação, como o Uruguai - onde foi filmado em grande parte por ser mais barato filmar lá do que aqui, segundo os realizadores.

Algumas soluções do roteiro para transportar questões menos contemporâneas do enredo shakespeariano são ótimas, incluindo a tal floresta que se move do título. Assim como a transformação das feiticeiras que fazem previsões sobre o futuro de Macbeth (aqui, ‘Elias’) e de seu amigo, Banquo (renomeado ‘César’), em uma bordadeira com duas breves e marcantes aparições (vale o termo) de Juliana Carneiro da Cunha.

No texto original, o guerreiro Macbeth recebe um novo título que pertencia a um aliado do rei Banquo mas que veio a trai-lo. Nesta versão, Elias ascende ao cargo de Vice-presidente de um banco devido à descoberta de que o antigo Vice havia desviado muitos milhões. Daria para supor que a trama que se passava na disputa pelo poder no reino da Escócia do século XI seria transformada em disputa por cargos através de denúncias de corrupção - como no caso citado; mas os roteiristas Vinicius Coimbra e Manuela Dias preferiram manter os fatos marcantes da peça tal e qual, o que traz um acúmulo de assassinatos que podem soar menos verossímeis nos dias atuais. Pois, sem ser um guerreiro como seu equivalente Macbeth - que já estava acostumado a matar em batalhas - o executivo Elias surpreende muito quando, depois de vinte anos de carreira no banco, transforma-se em assassino e sem medir as suspeitas que poderia levantar.

A opção de fidelidade à letra das peça teatral pesa também para o papel da ‘Lady Macbeth’ (aqui, ‘Clara’), exigindo muito de Ana Paula Arósio como uma mulher “diabólica”: uma sonsa instigadora seria mais adequada ao temperamento da atriz do que uma manipuladora odiosa. Mas os autores do filme quiseram mesmo apresentar o “Macbeth” do bardo para um público atual que talvez não se identificasse com bruxas de dez séculos atrás. Mas há uma armadilha: o público aceitaria esse casal assassino e de uma hora para outra revelando-se psicopatas?

Talvez muito do que torne essa opção aceitável venha da interpretação espetacular de Gabriel Braga Nunes como Elias/Macbeth. Em um elenco que reúne gente do porte de Nelson Xavier (o Presidente do banco, equivalente ao Rei Duncan) e participações especiais de peso como a já mencionada Juliana Carneiro e Emiliano Queiroz como o porteiro (responsável pela passagem cômica da tragédia), Gabriel Nunes é o que de melhor o filme atinge. Por outro lado, a presença do policial-detetive (equivalente a Macduff) é muito insatisfatória e o ator não se sai bem. Tiveram mais sorte na construção de seus personagens, Fernando Alves Pinto (o filho do Presidente) e Ângelo Antonio (César/Banquo). Aliás, a cena do banquete em que o fantasma aparece para Macbeth/Elias é ótima, evitando o ridículo que seria um risco.

O aprisionamento ao original, com falas inteiras de Shakespeare, por mais belas que sejam, atrapalha mais do que ajuda ao filme que poderia ser feito, diferente da escolha dos autores. Como está, fica como uma bela tentativa ainda que parcialmente frustrada e apesar de recursos de produção eficientes, boa edição de som, e acima de tudo, o desempenho de Gabriel Nunes que traz vontade de vê-lo no palco como o Macbeth da versão original de Shakespeare mesmo.

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