Críticas


SPOTLIGHT – SEGREDOS REVELADOS

De: TOM McCARTHY
Com: MARK RUFFALO, MICHAEL KEATON, RACHEL McADAMS, LIEV SCHREIBER, STANLEY TUCCI.
16.01.2016
Por Luiz Fernando Gallego
Mais do que sobre jornalismo, um filme de ideias e reflexões.

Spotlight – Segredos Revelados é, principalmente, um filme sobre jornalismo investigativo com seus clichês habituais: os jornalistas são superdedicados, vários workalhoolics, há um certo clima de apreensão (vai dar certo ou não? – mesmo com a plateia desconfiando que vai dar certo, claro), as rotativas aparecem tal como os jornais empacotados para distribuição etc. Mas também é um filme sobre pedofilia por parte de padres católicos e, como a trama mostra, mais do que casos individuais chocantes, cada um impactante por si, o que passa a importar é o coletivo de tantos milhares de casos e possíveis “padrões” sobre as vítimas e sobre os predadores. Acima de tudo, importa o foco para o qual foi conduzida a investigação: por que tais fatos aconteciam e se repetiam há tantas décadas, sem que o que tanto choca fosse denunciado e muito menos punido de verdade? Há um momento em que um dos repórteres chaga a comparar tal pacto de silêncio ao que pode ter sido a conduta das massas acríticas em relação ao nazismo e antissemitismo na Alemanha (e poderíamos acrescentar na França, na Polônia, e em tantos outros lugares, especialmente se o tema não for o nazismo e o antissemitismo, mas a pedofilia por baixo dos panos - ou das batinas - e nem tão por baixo).

O filme segue os padrões do chamado “cinemão” norte-americano: grande produção, atores famosos (e bons), ritmo bem marcado, pequenas reviravoltas, algumas a favor e outras contra os escolhidos como protagonistas (quase heróis), preocupação em manter o espectador sempre atento e ligado, música de fundo onipresente (ainda que sem ser bombástica neste caso) etc. O que muitas vezes não passa de cacoetes comerciais em filmes descartáveis, neste caso, funcionou como um relógio suíço, uma máquina azeitada sempre a serviço do tal “conteúdo”. E nesse caso, mais do que um filme sobre jornalismo, temos um filme de ideias e reflexões com ótima tiradas nos cortantes diálogos.

Há a questão nem tão secundária do celibato exigido pela Igreja Católica: e o filme informa que metade dos religiosos não cumpre com tal interdição, mas a maioria faz sexo com outros adultos, o que não é mais uma questão de pedofilia, embora os ditos 6% que abusam de crianças acabem acobertados na mesma manta de sigilo e segredo dos outros. Ou seja: o celibato como fator propício à disseminação do mal. Mas, seja em que situação for, é levantada a questão mais original do que é o abuso sexual: mais do que circunstancial (a ascendência social dos padres em famílias católicas humildes e pouco estruturadas) o que se passa realmente nessas situações? Não se trata “só” de abuso físico, mas, reza o filme, de abuso espiritual – ou, já que em alemão Freud não escrevia sobre “o psíquico”, mas sobre “a alma humana” – em nossa linguagem atual o abuso é psicológico, antes de chegar a ser físico.

Outra reflexão importante (também em outros aspectos e em tempos atuais) é quando alguém lembra que “conhecimento é uma coisa, fé é outra”, - o que ajuda a compreendermos “cegueiras”, não só no terreno religioso e/ou do fanatismo, mas também na discussão política (alô, Brasil!). O espectador atento vai poder se sentir compartilhando das discussões como se estivesse dentro do filme: afinal, o elenco homogêneo sabe dizer adequadamente suas falas, cabendo destacar os que aproveitam mais de seus personagens mais impactantes. Há intérpretes pouco conhecidos em ótimas aparições episódicas como os que fazem vítimas que aceitam falar (porque a vergonha e a culpa da criança é fator importante do segredo com que esses fatos transcorrem), sendo que um deles, após hesitar em ter seu nome exposto, rejeita o agradecimento do repórter: só quer que os malditos sejam expostos e punidos, para isso é que ele aceitou se expor.

Dentre os bons atores mais conhecidos, sabem as oportunidades que oferecem os tipos mais curiosos, como Stanley Tucci fazendo um advogado de origem armênia; tipos mais passionais - Mark Ruffallo como o repórter de ascendência portuguesa; ou mesmo o mais discreto de todos: Liev Schreiber como o editor judeu que chega de fora ao jornal Boston Globe. Como diz o armênio, às vezes é necessário que haja pessoas “de fora” para enxergarmos o que estava à vista mas que ninguém pôde/conseguiu ver de verdade.

O mais chocante, entretanto, é como dois amigos da Igreja Católica de Boston tentam lidar com a ameaça de publicação dos horrores que a equipe de jornalistas está investigando: mais de uma vez escutamos algo no sentido de que a Igreja (a comunidade católica em geral) "fez tanta coisa boa" por Boston... então... (o que está obviamente implícito)... "danem-se os que foram abusados, danem-se os 'efeitos colaterais' " - que querem acreditar como 'menores', 'poucos'... sendo que os abusados que aceitam falar para os jornalistas são frequentemente chamados de “sobreviventes”. O filme não menciona possíveis casos de suicídios (na verdade não deixariam de ser homicídios vicariantes). Esta “desculpa” ou mesmo tentativa de “justificativa” mais do que esfarrapada invocando o suposto “bem” feito para que se deixe de lado o mal claramente feito serve também para discussões atuais e locais.

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