Críticas


A VINGANÇA ESTÁ NA MODA

De: JOCELYN MOORHOUSE
Com: KATE WINSLET, LIAM HEMSWORTH, HUGO WEAVING, JUDY DAVIS.
20.05.2016
Por Hamilton Rosa Jr.
A beleza do filme passa pelas variadas formas de olhar que nos oferece.

Jocelyn Moorhouse, a diretora por traz deste delicioso A Vingança está na Moda, tem uma carreira de poucos filmes, mas todos bem peculiares.

Colcha de Retalhos (1995), a experiência que a australiana tentou em Hollywood, é uma engenhosa narrativa, onde a diretora usa a colcha do título como metáfora para, com um toque bem feminino, entretecer as histórias de várias gerações de uma família.

Já em A Prova, pequena pérola que Moorhouse dirigiu em 1991, a ambição era maior: o filme traz à cena Hugo Weaving (o Sr. Smith de Matrix) como o jovem cego que busca um novo sentido para sua vida de trevas tirando fotos. Não há nada mais incongruente que um fotógrafo cego, mas para o personagem o ato de apreender uma realidade e depois pedir para alguém descrevê-la tem lá seus propósitos. Primeiro, traz a oportunidade ao cego de se sentir menos solitário, depois permite que ele defenda uma tese: a de que a realidade depende da perspectiva. A foto pode ser a mesma, mas a leitura que cada um faz dela depende de uma série de coisas. Depende da vivência do observador, depende da formação, do grau de possíveis sugestões e associações. O que leva a concluir que a apreensão de uma realidade é discutível. Talvez, para quem tem pressa na vida, essa questão possa soar inútil, mas o filme sugere um segundo caminho bem recompensador: sentar ao lado do cego e refletir sobre as formas possíveis de olhar, pode ser um presente.

Neste A Vingança Está na Moda, Moorhouse retoma o raciocínio de A Prova. Presenteia o espectador com possíveis formas de olhar para Myrtle Dunnage (Kate Winslet). Quando o filme começa, a sofisticada Myrtle está descendo de um trem, num povoado que parece deslocado uns 150 anos no tempo. A mulher moderna se depara com um ambiente semelhante ao que vemos nos faroestes, com homens a cavalo, ruas estreitas e empoeiradas e um saloon. Os caipiras olham para a dondoca montada em salto 10 e num vestido deslumbrante e cospem na sarjeta.

Essa é a primeira impressão. Outras pistas sobre essa personagem serão dadas a seguir. Os gestos e a forma como fala indicam que se trata de um caráter forte: diz o que pensa, vai atrás do que quer, nunca recua. Seu sucesso como estilista advém de uma imaginação fértil, o que a distancia ainda mais do povo da cidade. No entanto, e veja só a surpresa, Myrtle nasceu naquele ambiente rústico. E voltou. O que essa retorno as origens significa em princípio não é muito claro. Percebe-se que o que a alimenta não é a nostalgia. Há sim uma predisposição para tirar a limpo algo que ficou no passado.

A encenação deste acerto de contas tem seu encanto próprio. O filme se estrutura como se fosse um faroeste e a estilista, o pistoleiro em busca de vingança. É divertido ver como a diretora Moorhouse abraça o mais másculo dos gêneros cinematográficos e lhe insere uma delicadeza e inteligência femininas. Isto, sem profanar a gramática. Estão lá: desde as longas panorâmicas varrendo a planície aos movimentos de grua de baixo pra cima, ou o plano de composição geral de um duelo em contraste com o superclose em detalhes de mãos, olhos e pequenos gestos. Pelo aspecto feio sujo e malvado dos cowboys, fica claro que Sergio Leone é o nome incontornável que inspira a cineasta, mas há um filme específico que o tempo todo ela parece recorrer, que não é de Leone, mas de um de seus pupilos. O cultuado O Estranho Sem Nome, de Clint Eastwood. A estrutura de A Vingança Está na Moda é parecida já no roteiro (escrito pela diretora em parceria com seu marido, o também cineasta P.J. Hogan, de O Casamento de Muriel). Há duas cenas que são quase reprodução de trechos do filme de Eastwood.

Contudo, se a encenação é parecida, a essência que a cineasta busca é bem outra. Não há tiros, não há revólveres no centro de A Vingança Está na Moda. Em vez de armas, Kate Winslet encara os desafetos com linha, tesoura e tecido. Começando por vestir as caipiras locais com modelitos esfuziantes. As mulheres ficam maravilhadas com a transformação que um belo vestido lhes opera. Ressaltam uma feminilidade adormecida e revelam uma beleza que nunca pareceu evidente.

Mas a mudança é vista como uma revolução perniciosa. Enquanto as mulheres abraçam os presentes, os homens da vila passam a amaldiçoar a estilista. Faz parte do jogo de cena de Myrtle impor a discórdia. Embelezando cada vez mais as mulheres, ela sabe que pode acabar com o clima de harmonia e uniformidade local criando o caos e a anarquia. Seu objetivo é desmascarar a aliança que foi formada contra ela no passado para culpá-la por um crime que ela nem tem certeza se cometeu.

Em meio aos confrontos, a mocinha, nem sempre consegue manter a pose. Há um momento em que vacila em seu plano, quando reencontra o bonitão Liam Hemsworth (de Jogos Vorazes). O entrecho amoroso é estranho, parece meio fora de hora, e quase faz o filme resvalar para a comédia romântica. Mas acaba tendo uma pertinência. Quando a narrativa parece partir para uma direção, Moorhouse dá uma guinada inesperada.

É impressionante o dom que a diretora revela para desmontar expectativas e de não se acomodar ao sentido inicial. Sim, A Vingança Está na Moda flerta com o western, com a comédia, com a crítica social, com o drama, o policial, o nonsense. Essas metamorfoses conferem ao filme uma sutileza rara, que talvez o levem a ser subestimado por alguns. Como na foto, que em A Prova, leva os observadores a sentidos diversos, a beleza de "A Vingança Está na Moda passa justamente pelas variadas formas de olhar que Jocelyn Moorhouse nos oferece.

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