Especiais


FESTIVAL DE CINEMA FRANCÊS VARILUX 2016

12.06.2016
Por Luiz Fernando Gallego
Resenhas de filmes franceses recentes no Festival Varilux 2016

OS COWBOYS, de Thomas Bidegain

A estranheza inicial vem junto com o título original (para um filme francês) Les Cowboys, e por exibir logo em sua abertura uma reunião de franceses cantando country music norte-americana, vestidos de cowboys com direito a cavalos e bandeiras dos EUA. Perguntei ao ator protagonista Finnegan Oldfield (francês, apesar do nome) se essa espécie de feira americanófila existia mesmo na França ou se seria uma ficção para aludir ao filme Rastros de Ódio (1956), de John Ford. Ele respondeu que quando foi convidado para o filme inicialmente chegou a pensar que fosse uma comédia por esta cena - mas não só não era, como essas tomadas de gente vestida de cowboy na França tiveram como extras pessoas que curtem mesmo esse tipo de coisa, incluindo uma estrela de "sheriff" no peito de um dos participantes.

O jovem ator (25 anos em 2016) não conhece aquela obra-prima que John Ford lançou em '56 e que é um dos maiores filmes da história do cinema, mas as referências e paralelos são bem evidentes: troque-se os índios que sequestraram a personagem da sobrinha de John Wayne no filme de Ford pela atração que jovens europeias oriundas de famílias ocidentais podem sentir pelo mundo árabe (já em 1974 quando a ação é deflagrada) e temos a premissa deste filme.

O enredo não segue o clássico passo a passo, havendo enormes diferenças e alguns deslocamentos, sendo que nem sempre as conclusões dos conflitos se mostram 100% convincentes - mas a direção e os atores principais conseguem manter aceso o interesse até mesmo por tais aspectos - polêmicos - do roteiro.

Este primeiro longa (bem) dirigido pelo roteirista premiado por O Profeta e Ferrugem e Ossos (e do Saint Laurent de Bertrand Bonello, bem como de Dheepan – O Refúgio, Palma de Ouro de 2015) foi indicado a quatro prêmios ‘César’, incluindo o de Melhor Primeiro Filme. E ainda os de Melhor Ator - François Damiens, de A Família Bélier, e Melhor Ator Promissor para Finnegan Oldfield - atualmente no Brasil para promover o filme que deve bastante a esses dois intérpretes cujos personagens vivem a situação de um luto bem mal resolvido: luto por um ente querido vivo, porém distante, e que se transformar em compulsão e ódio (especialmente no caso do pai da mocinha desaparecida).

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O NOVATO, de Rudi Rosenberg

A transição do mundo pré-adolescente para o da puberdade pode ser uma das fases mais confusas pelas quais passamos, especialmente se a gente é novato num colégio. Bullying com requintes de humor bastante cruel podem causar sofrimentos enormes dos quais mais tarde podemos até rir. Ou não.

Neste filme de estreia do diretor o mote é fazer rir sem edulcorar a gama de "pequenas" (grandes) maldades - e bobagens de que os adolescentes são potencialmente capazes. O foco não é o de uma crônica doceamarga como nos filmes de Truffaut sobre crianças e jovens, a meta é o riso - e mostrar como se pode tentar dar a volta por cima das decepções amorosas e dos sofrimentos causados pela rejeição. A saída pode ser unir esforços com os nerds, deficientes físicos e os sem-noção – os excluídos. Além de um tio quase tão boboca quanto os garotos.

Afinal, quantos de nós (meninos) já não se encantou por uma menina um pouco mais velha e menos acessível? Quase sem adultos (como no mundo de Charlie Brown), o ótimo elenco predominantemente jovem desperta lembranças e identificação do público para com este divertimento - que não foge à dura realidade dos nem sempre doces verdes anos.

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LA VANITÉ, de Lionel Baier

Um homem idoso, viúvo, doente e que quer morrer. A empregada de uma associação que promove eutanásia. Um motel decadente e prestes a fechar. No quarto ao lado um garoto de programa recebe clientes.

Poderia ser uma peça teatral, mas o roteiro foi escrito originalmente para este filme. Ainda como se fosse uma encenação para o palco, os atores são fundamentais para o resultado final - e não fazem feio: Carmen Maura tem um papel que lhe cai bem, um veterano ator suíço, Patrick Lapp, fica com a parte mais dramática, enquanto o novato Ivan Georgiev faz bem o prostituto: mais “tipos” do que personagens plenamente desenvolvidos, eles ganham alguma dimensão graças às interpretações.

Também a situação de base é mais interessante do que o desenvolvimento menos tragicômico do que se pretendia, com algumas interpolações imaginadas pelos personagens nem sempre satisfatórias mas que não chegam a prejudicar. O contraste/aproximação do trabalho de um prostituto com o de uma mulher que vai praticar a eutanásia em quartos contíguos de um motel não vai longe. São os atores e as boas ideias cômicas esparsas que mantém o interesse da plateia apesar da superficialidade prevalente que quase escorrega no sentimentalismo perto do final.

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A BELA ESTAÇÃO, de Catherine Corsini

O filme recria o movimento feminista parisiense dos anos 1970 em contraste com a realidade machista do interior da França. Para sublinhar as diferenças e demonstrar os preconceitos, mais um amor impossível tipo Romeu e Julieta, só que entre duas moças: a interiorana Delphine e a cosmopolita Carole. Levado de forma tradicional e mais ou menos previsível, o filme conta com bons desempenhos das atrizes, destacando-se a mãe provinciana vivida pela (também diretora e atriz indicada ao César várias vezes) Noémie Lvovsky, com interpretação contida e quase todo o tempo interiorizada, muito forte. Cécile De France tem uma presença mais matizada, conforme pede sua 'Carole' e Izïa Higelin segue outra chave, mais discreta, também como seria pertinente para a personagem.

As cenas eróticas são bem menos explícitas do que em Azul é a cor mais quente, servindo bem ao propósito do filme que destaca a atração prioritariamente afetiva e consequentemente física. Além de exibir o belo corpo de Cécile aos quarenta anos, assim como o mais roliço da atriz mais jovem.

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AGNUS DEI, de Anne Fontaine

Vagamente inspirado no relato de uma médica da Cruz Vermelha francesa que trabalhou na Polônia no final da II Guerra, o roteiro deste filme (Les Innocentes no original) é assinado pela diretora Anne Fontaine e por Pascal Bonitzer, também diretor eventual, mas mais frequentemente roteirista com importantes trabalhos para realizações de André Téchiné e Jacques Rivette. Entretanto, o resultado aqui fica a anos-luz de um Rivette, desperdiçando o assunto de base em situações-clichê.

As atitudes de alguns personagens são previsíveis, mas batem na tela como momentos grotescos. Ainda que plausíveis dentro das premissas histórico-religiosas, se a coisa fica meio grotesca o defeito deve ser da roteirização e/ou de direção.

Alguns momentos de bela fotografia e enquadramentos elegantes não redimem o filme que soa arrastado. O tema, bastante delicado, demandava direção e roteiro que driblassem as armadilhas da situação. O maior esforço parece o de ter sido evitar o melodrama, mas resultou num filme frio e aquém das possibilidades.

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MARGUERITE, de Xavier Giannoli

O filme traz algumas questões interessantes tais como a incapacidade de autocrítica de gente empolgada por alguma forma de manifestação artística e que se crê “artista” com talento e paixão pelo que tenta fazer. Pena que o filme se alongue muito e nem sempre desenvolva seus sub-enredos de modo eficaz.

Nem mesmo a composição elegante da atriz Catherine Frot para uma personagem ridícula à qual ela dá humanidade - e mesmo dignidade – alivia o peso do filme até chegarmos ao desfecho

(ATENÇÃO, SPOILER)

em que surge uma nova versão do mito de Narciso: não poder se ver – no caso, se escutar - não porque possa se perder admirando a beleza, mas por constatar o oposto.



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