Sin City - A Cidade do Pecado talvez represente o apogeu da transposição da idéia de uma história em quadrinhos para o cinema. O esforço dos diretores Robert Rodriguez, Frank Miller e o convidado Quentin Tarantino de serem minuciosamente fiéis às páginas desenhadas e escritas por Miller pode fazer o espectador mais atento se perguntar a que está realmente assistindo.
Sin City, a revista, é irretocável. Belos roteiros narrados em páginas que tentam explorar todas as possibilidades do preto e branco (com detalhes em cor), numa euforia criativa só encontrada, se formos comparar cinematograficamente, em um Godard. Ora, visto assim fica claro que o charme da revista é ter forma e conteúdo interligados de modo a gerar um efeito narrativo único. Consciente disso, o espectador pode perceber que, ao olhar para a tela grande, está diante de uma espécie de hipermídia, onde o espaço bidimensional da página de quadrinhos ganha volume, grita, se move, atira, espirra sangue. Uma hiper-HQ. Um novo produto, talvez?
Sin City, o filme, tem evidentemente duas espécies de platéia. A que leu a revista (mais capaz de chegar à conclusão acima) e a que não leu. Declarar que a primeira se diverte mais não é nenhum absurdo, portanto recomenda-se: veja o filme, leia o gibi, veja o filme novamente. Compare. Repare. Reconheça.
Sin City quase exige esses exercícios de acareação de mídias. Seu prazer principal está em fazer o leitor/espectador exclamar: ´´Está igual!´´, numa condição inescapável de fascínio. Por exemplo: sua história inicial, que na HQ tem o nome de O cliente tem sempre razão, dura pouco mais de cinco minutos (e três páginas na revista) e possui tanta beleza na sua simplicidade que você quase se levanta para fumar no lobby do cinema e pensar nela.
Exercício de cinema noir para a era da computação gráfica, Sin City não se dilui nos seus truques visuais. Ao contrário, deixa claro para o espectador que tudo faz parte da brincadeira de fornecer os maiores quadrinhos já vistos na história das HQs, numa revista gigantesca para ser lida em uma sala escura. O cinema vira um enorme gibi. Só faltam os balões. Uma idéia original, levada para um outro formato de maneira vitoriosa. Imperdível.
(Vale lembrar: o único filme que obteve essa fidelidade absoluta com a sua revista original foi o subestimado O Anti-herói Americano (American Splendor), baseado na revista escrita por Harvey Pekar. Está disponível em DVD. Fã de quadrinhos ou não, assista também. É uma jóia).
# SIN CITY – A CIDADE DO PECADO (FRANK MILLER’S SIN CITY)
EUA, 2005
Direção: ROBERT RODRIGUEZ, FRANK MILLER, QUENTIN TARANTINO (diretor convidado)
Roteiro: FRANK MILLER
Fotografia e edição: ROBERT RODRIGUEZ
Música: JOHN DEBNEY, GRAEME REVELL, ROBERT RODRIGUEZ
Direção de arte: JEANETTE SCOTT
Elenco: MICKEY ROURKE, BRUCE WILLIS, CLIVE OWEN, ROSARIO DAWSON, RUTGER HAUER, JAIME KING, BRITTANY MURPHY, JESSICA ALBA, BENICIO DEL TORO
Duração: 124 minutos
Site oficial: clique aqui
RICARDO SONETO é jornalista e pesquisador de música e artes narrativas