O Homem das Novidades (The Cameraman), dirigido por Edward Sedgwick, está em cartaz em São Paulo. É uma homenagem à câmera de filmar, atuante como objeto-pulsão da arte cinematográfica (para lembrar Gilles Deleuze, filósofo pensador do cinema). Uma poética metonímica cômica. A câmera literalmente caindo aos pedaços do apaixonado (pelo cinema e pela secretária Sally, vivida pela sensual Marceline Day) cinegrafista Luke Shannon (Buster Keaton) aparece como extensão de seu corpo, em uma inventiva corrida pela notícia nas ruas da Nova York pós-guerra e pré-queda da bolsa de valores.
Ressalta-se que o filme é de 1928, ou seja, foi lançado um ano antes do magnífico documentário O Homem com uma Câmera, de Dziga Vertov, também exultante da “câmera-olho”, mas no contexto do incipiente socialismo soviético de Lênin. O russo filho de judeus foi um dos grandes pensadores e exploradores do poder revelador da câmera e, como seus contemporâneos Sergei Mikhailovich Eisenstein, Vsevolod Pudovkin e Lev Kulechov, da importância ideológica da montagem. Anteriormente cinegrafista de guerra, Vertov conhecia os meandros do registro do real entre as trincheiras e dos filmes de propaganda que proliferaram durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Aliás, O Homem das Novidades abre a narrativa com uma seqüência de cenas de combate, para deixar claro o valor dos destemidos cameramen que se meteram entre os tiros para mostrar ao mundo o verdadeiro horror dos campos de batalha.
Ambos os longas-metragens acendem a nostalgia dos primeiros passos do que viria a se chamar cinema-verdade e do cine-propaganda, mas o de ficção (Keaton) o faz com um humor de sinestesia no impacto do detalhe — inusitado e hilário. Em O Homem das Novidades, o cinema noticiário da MGM (personagem e verdadeira produtora do filme) leva a câmera de filmar para o espaço público em busca dos charmosos newsreels (artigo com o qual Vertov também trabalhou). Inteligente, sensível e desajeitado, Luke Shannon não dispensa um furo de reportagem. Os incômodos tripés de sua câmera (as 16 mm nos ombros só viriam a fazer parte da História na década de 50) instalam-se até mesmo entre os tiros numa festa chinesa — e nesse momento a trilha sonora dá um salto ao sobrepor ritmos característicos da música tradicional da China ao clássico piano do último período dos filmes mudos.
O imaginário das ações de Keaton está em perfeita simetria com o deslizar da câmera que o filma — outra grande seqüência é a corrida pelas escadas do prédio fake onde vive, enquanto tenta falar com Sally pelo telefone, um deleite para os sentidos do espectador. A manivela da máquina que produz imagens em movimento só gira para a frente, como mostra a mímica do fotógrafo que virou cinegrafista Luke Shannon. Mas olhar as relíquias do passado é sempre atual.
# O HOMEM DAS NOVIDADES (THE CAMERAMAN)
EUA, 1928
Direção: EDWARD SEDGWICK
Produção: BUSTER KEATON / MGM
Fotografia: REGGIE LANNING e ELGIN LESSLEY
Montagem: HUGER WYNN
Elenco: BUSTER KEATON, MARCELINE DAY, HAROLD GOODWIN, SIANLY BRACEY, HARRY GRIBBON
Duração: 75 minutos
Karina Gonçalves é jornalista e mestranda em Cinema na Unicamp