“A Academia das Musas” é apresentado, em seus créditos iniciais, como uma experiência pedagógica do professor de filologia Raffaele Pinto filmada por José Luis Guerin. Mas logo descobre-se que a pedagogia ultrapassa os limites do ambiente acadêmico e se estende ao próprio ato da realização cinematográfica. Assim como fez no documentário “En construcción” e na ficção “Na cidade de Sylvia”, Guerin nos ensina a abrir os olhos para um cinema que não se aprisiona pelas convenções de gênero.
A começar pelo fato de que, neste caso, a ação é fruto quase exclusivo da palavra, além de ser muito difícil perceber onde termina o documentário e começa a ficção. Dentro da sala de aula, as discussões envolvendo o papel das musas na literatura e na mitologia grega, de Dante a Orfeu, vão além da análise da conexão dos poetas com a morte, por exemplo, para desembocarem nos conceitos de amor e desejo no mundo contemporâneo. Por vezes Raffaele se transforma em uma espécie de psicanalista para as questões sentimentais de suas alunas/musas. É quando a ação se desloca para o ambiente privado, como o interior de um carro ou o apartamento do professor. A câmera se mantém do lado de fora, filmando-os através do reflexo das janelas, estabelecendo uma separação entre o espaço público e o privado e ao mesmo tempo dando a deixa para o jogo entre realidade e ficção.
Aos poucos o material filmado vai ganhando organicidade, graças a um cuidadoso trabalho de montagem. No fim, temos um teatro poético protagonizado por não atores que constroem a ficção sem roteiro, guiados por seus próprios dilemas, desembocando num belo tributo ao poder do afeto e da linguagem.
(Publicado originalmente em O Globo no dia 17.06.16)