Críticas


GAIJIN – AMA-ME COMO SOU

De: TIZUKA YAMASAKI
Com: TAMLYN TOMITA, JORGE PERUGORRIA, NOBU MC CARTHY, AYA ONO
01.09.2005
Por Carlos Alberto Mattos
SUSHI E DEPOIS TORTILLAS

Logo em suas primeiras cenas, Gaijin – Ama-me como Sou dá a dimensão do apetite com que Tizuka Yamasaki retomou as personagens de seu famoso filme de 1980. Uma tomada acrobática se ergue sobre a casa de Kazumi e penetra pela porta até aproximar-se do escritor. A linguagem vistosa continua dando as cartas enquanto se desenha a história das gerações de mulheres descendentes de Titoe, a imigrante japonesa que protagonizou Gaijin, Caminhos da Liberdade.



Tizuka quer conjugar o épico da imigração com o melodrama familiar. Há um sentido majestoso na forma como ela filma uma pequena aldeia do Japão do início do século, reproduzida em detalhes minuciosos pela tarimbada diretora de arte Yurika Yamasaki numa fazenda de Londrina. As imagens de Edgar Moura e a trilha musical de Egberto Gismonti viajam nesse mesmo diapasão, incorporando tonalidades e sonoridades profundas de ambas as nacionalidades. O filme se espalha com gosto pela superfície da tela panorâmica, enchendo cada quadrante de signos eloqüentes: a natureza transbordante do Brasil, o impulso do pioneirismo, as simetrias rigorosas da cultura japonesa.



O que se vê na primeira metade do filme é uma opção clara pela matriz da epopéia, ainda que sempre fincada no terreno da família. Onde alguns poderão ver megalomania, percebo uma saudável ambição, a de não ceder à miudez compulsória que muitos receitam como caminho único para o cinema brasileiro. As trágicas ressonâncias da II Guerra chegam de maneira eloqüente à colônia japonesa. E esse primeiro movimento do novo Gaijin culmina com uma seqüência de grande pathos e beleza, quando uma morte e um nascimento ocorrem ao mesmo tempo, lado a lado. É como uma senha metafórica não apenas para o ciclo das gerações que se sucedem, mas também para o encaminhamento do próprio espetáculo. Porque ao redor daquela cena, um pouco antes, um pouco depois, um Gaijin vai morrer e outro vai nascer.



O filme desenrola um novelo de relações onde as sucessivas descendentes de Titoe vão se miscigenando progressivamente com os latinos. Parece uma história atípica na construção do Brasil sulino, onde as etnias de imigrantes se mantiveram relativamente autocontidas. Década após década, enquanto os cabelos da brava Titoe vão embranquecendo e fazendo surgir a doce Batyan (avó), os sonhos dos personagens vão se esfarelando até o inevitável retorno ao Japão – não como Titoe esperava em sua fé de juventude, mas na condição humilhante de operários dekassegui. No Brasil como no Japão, as tradições cultivadas no feudalismo dão lugar à corrida capitalista, ao blefe econômico, à banalização cultural.



Junto com essas mudanças, um estranho sintoma acomete o estilo de Tizuka. A impressão é de que, ao cruzar traços culturais distintos, ela adotou, com o mesmo apetite de antes, um tratamento reconhecível como “latino”: as interpretações exacerbadas (e agravadas por uma dublagem desastrosa), o romance em tom de folhetim televisivo, a perda de organicidade, o apelo ao lugar-comum.



Quando enfim chega à Kobe moderna, o filme encontra-se esvaziado de muitas das qualidades do início. Permanecem em cena o esmero da produção, a excelência das locações e o apuro em todos os setores da técnica, mas ficaram para trás o equilíbrio e a busca de uma certa originalidade. Na poeira vermelha da estrada paranaense ficou também a expectativa de que Gaijin – Ama-me Como Sou viesse redimir plenamente uma longa espera de 25 anos.



Observação: o filme venceu o Festival de Gramado, conquistando os kikitos de melhor filme, direção, música e atriz coadjuvante (Aya Ono).





# GAIJIN – AMA-ME COMO SOU

Brasil, 2005

Direção: TIZUKA YAMASAKI

Roteiro: TIZUKA YAMASAKI, JORGE DURÁN, MARIA SENA

Produção: CARLOS ALBERTO DINIZ, TIZUKA YAMASAKI

Fotografia: EDGAR MOURA

Montagem: DIANA VASCONCELLOS, KAREN AKERMAN

Direção de arte: YURIKA YAMASAKI

Música: EGBERTO GISMONTI

Canção-tema: PABLO MILANÉS

Figurinos: JORGE DE THARSO RAMOS

Som direto: JOSÉ MOREAU LOUZEIRO

Edição de som: MIRIAM BIDERMAN

Elenco: TAMLYN TOMITA, JORGE PERUGORRIA, NOBU MC CARTHY,

KYOKO TSUKAMOTO, KISSEI KUMAMOTO, EDA NAGAYAMA, AYA ONO

Duração: 135 minutos

Site oficial: clique aqui

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