Até Sweeney Todd, a sensibilidade distorcida e o humor macabro de Tim Burton destoavam de tal maneira na linha de montagem hollywoodiana que sua própria sobrevivência no impiedoso universo dos estúdios tinha lá seu quê de inexplicável.
Infelizmente essa ideia veio se diluindo. Em Alice no País das Maravilhas, Burton pareceu bem satisfeito em se limitar aos clichês de um passeio por um parque temático. Em Sombras da Noite atacou o tema do vampirismo e do kitsch com piadas óbvias. Frankenweenie trouxe a chance de retomar o passo, buscando num de seus primeiros curtas, o fôlego da renovação. O convencionalismo de Grandes Olhos, contudo, surpreendeu a todos, atestando o comodismo.
O Lar das Crianças Peculiares reforça a tese de que o diretor precisa de férias urgentemente. Entenda-se: não significa que o filme seja péssimo. É apenas decepcionante, levando em conta a envergadura do diretor.
Burton faz aqui um filme bonitinho, usando uma requentada combinação de tudo o que já vimos. Nada realmente se cria, tudo se copia em O Lar das Crianças Peculiares. Em termos de estrutura e enredo, a receita resulta num híbrido de Peixe Grande com a comédia Feitiço do Tempo, acrescido de toques de Harry Potter somado a X-Men. Não por acaso, o roteiro é de Jane Goldman, autora de X-Men - Primeira Classe.
No cerne da trama encontra-se a relação de admiração de Jake, um garoto (Asa Butterfield, de A Invenção de Hugo Cabret) com seu avô Abe (Terence Stamp), contador de histórias de imaginação fértil muito parecido com o Albert Finney de Peixe Grande. O velho tem uma morte macabra, e a única coisa que deixa de herança para o neto são as encantadoras histórias de um orfanato numa vila no país de Gales, dirigido por uma espécie de feiticeira, a senhora Alma Fay Peregrine (Eva Green).
Como Jake tem dificuldades em desapegar sentimentalmente da perda do avô, a pedido de uma terapeuta, o pai (Chris O'Dowd) leva o garoto para conhecer a tal aldeia dos contos notáveis.
A viagem objetiva trazer o desligado garoto de volta à Terra, mas é claro que a fantasia mostra seu traço de realidade e Jake viverá uma adorável aventura. Uma aventura que discorre sem grandes prazeres e de forma automática. Um produto caro, vistoso, e lógico que, mesmo nos piores momentos, tem a assinatura de Burton, um diretor que sempre oferece pequenos lampejos.
Esses deslumbres aparecem na forma carinhosa como trata seus personagens. Em rápidas pinceladas, Burton pinta o modo de vida das crianças peculiares, revela seus hábitos e seus dons, e nunca deixa que se tornem superficiais. A participação do elenco infantil e também dos atores, Asa Butterfiled e Eva Green, são marcantes. Mas quem verdadeiramente se sobressai são Ella Purnell, como Emma, uma adorável adolescente que usa botas de chumbo para não levitar até o infinito, e Finlay MacMillan, como o rebelde Enoch, o garoto que guarda numa caixa, os corações que permitem dar vida a qualquer ser inanimado, inclusive estátuas e bonecos. A sequência em que Enoch ressuscita um grupo de caveiras para lutar contra monstros num parque de diversões é o ponto alto do filme. Pena que dure menos de cinco minutos.
Esqueça o Burton inquieto. Aqui ele se contenta em não sair da fôrma. Senta na cadeira do diretor e a balança, como um ancião, entregue a serenidade do lar, doce lar.