Críticas


JOVENS, LOUCOS E MAIS REBELDES

De: RICHARD LINKLATER
Com: BLAKE JENNER, RYAN GUZMAN, WYATT RUSSELL
29.10.2016
Por Marcelo Janot
Como explicar que um determinado filme seja uma obra-prima pela sensação que ele lhe transmite?

JOVENS, LOUCOS E MAIS REBELDES (“Everybody wants some”) é daqueles filmes difíceis de serem analisados em uma crítica, porque é difícil traduzir sensação em palavras. Se o ofício do crítico já nos obriga de cara a enfrentar a armadilha da subjetividade, como explicar que um determinado filme seja uma obra-prima pela sensação que ele lhe transmite?

A saída talvez seja tentar chegar lá comendo pelas beiradas do factual, do concreto. É um filme de Richard Linklater, o mesmo cara que botou um casal se conhecendo, discutindo sua relação e suas visões de mundo na trilogia “Antes do Amanhecer/Antes do Pôr-Do-Sol/Antes da Meia-noite”; o mesmo cara que construiu a ficção de “Boyhood” por 12 anos enquanto personagens e atores envelheciam; o mesmo cara que fez uma animação que se alterna entre sonho e realidade como pretexto pra se falar de filosofia em “Waking Life”; o mesmo cara que tão bem capturou o estado de espírito de jovens terminando a high school nos anos 70 em “Jovens, Loucos e Rebeldes” (“Dazed and Confused”, de 1993).

Sabemos, portanto, do interesse especial do diretor/roteirista em lidar com os efeitos da passagem do tempo, em observar como o conjunto de situações ordinárias experimentadas ao longo de diversas etapas de nossas vidas se refletem no que somos hoje. A “história”, o elemento narrativo ficcional com início, meio e fim que leva tanta gente ao cinema, quase sempre está em segundo plano em seus filmes.

Portanto, o que ele nos propõe nesse “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” (que apesar do título brasileiro NÃO se trata de uma continuação do filme de 1993) é um convite a se experimentar a sensação de ser transportado para os arredores do campus de uma universidade americana em 1980 nos três dias que antecedem o início das aulas, tendo como base a casa onde se hospedam os estudantes-atletas. Ao som de uma trilha sonora irresistível que inclui “My Sharona” (The Knack), “Rapper’s Delight” (Sugarhill Gang), “Shake Your Groove Thing” (Peaches and Herb), “Heart of Glass” (Blondie), “Whip It” (Devo) e tantas outras canções marcantes da época, os personagens desfilam com figurinos, cortes de cabelo e bigodes que eram um prenúncio da fase dos mullets e da new wave ultracolorida que chegaria em pouco tempo. Jogam pinball, Space Invaders e discutem episódios de “Twilight Zone”. Transam como se não houvesse amanhã, como era de se esperar entre jovens universitários com hormônios em ebulição.

Só pensam “naquilo”, mas pensam também no que representa fazer parte do time de baseball que é considerado quase imbatível nos torneios universitários. Nas conversas, sempre que o assunto não gira em torno de mulheres, bebida e maconha, o papo desemboca na importância de ser competitivo, o melhor, alguém que irá se destacar graças ao seu talento nato. Algo que parecia fácil numa América de calmaria política durante o governo de Jimmy Carter.

A sensação de prazer que o filme proporciona (e que deixa muita gente com vontade de revê-lo duas ou três vezes) vem da percepção da possibilidade de um mundo onde as diferenças convivem em harmonia, sem a violenta polaridade dos dias atuais promovida pelas redes sociais, que tendem a isolar as pessoas em bolhas de pensamento único. Dá gosto ver a tribo dos esportistas circulando pelas casas noturnas de disco, country e punk music e pela festa da turma do teatro, sempre exalando felicidade. O prazer também vem do fato de que esse período de nossas vidas, entrando na fase adulta mas ainda sem grandes responsabilidades, nos traz muitas doces lembranças da convivência e da camaradagem entre amigos de faculdade, seja nos EUA ou no Brasil. Um período sobretudo em que se tinha tempo para sentar com amigos em torno de um disco do Pink Floyd e ficar viajando nos detalhes de cada música.

Mas isso tudo só funciona tão bem na tela graças, entre outras coisas, ao talento de Richard Linklater para escrever diálogos e dirigir atores. É impressionante como todos aqueles rostos desconhecidos parecem tão seguros do que era ser um jovem em 1980, na maneira como incorporam as falas, os trejeitos, os hábitos. Um elenco excepcional que nunca derrapa na caricatura, que passa o filme fazendo piadas – muitas de cunho sexual – que jamais soam chulas ou vulgares, na busca pelo riso fácil tão comum em filmes ambientados em comédias de ambiente escolar.

Posso estar enganado, mas talvez um dia “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes” represente para a década atual o que “American Graffiti”, de George Lucas, representou na década de 70, passando a ser cultuado como um delicioso retrato de um grupo de jovens vivendo os melhores anos de suas vidas, e que nos transporta para aquela época de inocência e paz tão utópica no presente.



PS. Fique até o fim dos créditos para não perder um número musical surpresa.

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