Críticas


MANCHESTER À BEIRA MAR

De: KENNETH LONERGAN
Com: CASEY AFFLECK, LUCAS HEDGES, KYLE CHANDLER, MICHELLE WILLIAMS
18.01.2017
Por Luiz Fernando Gallego
Procura envolver a plateia em emoções emergentes chegando a usar por inteiro o "Adágio" de Albinoni em cena que por si já tinha alto teor de dramaticidade. Esse é o tom do filme.

O que aconteceu com o velho melodrama “clássico”? Um dos gêneros mais difíceis pelo risco de descambar no dramalhão de novelas mexicanas (e filmes idem dos anos 1950), o melodrama já ocupou espaço de honra em obras de Fassbinder (O Medo devora a alma, O Desespero de Veronika Voss), Almodóvar (Tudo sobre minha mãe, A Flor do meu segredo, De Salto Alto), Max Ophuls (Carta de uma Desconhecida), King Vidor (Ruby/Fúria do Desejo) , William Wyler (The Heiress/Tarde Demais, The Chidren’s Hour/Infâmia), Elia Kazan (Vidas Amargas, Clamor do Sexo), só para mencionar alguns. Recentemente o diretor Derek Cianfrance arriscou o gênero em A Luz entre os oceanos.

A fronteira tênue geralmente é demarcada pelo excesso. Embora os excessos já façam parte inerente do melodrama. A questão seria o pleonástico "exagero nos excessos" que podem derrubar um filme. Isso quase acontece em Eu, Daniel Blake quando Ken Loach pareceu insatisfeito com sua já forte demonstração de graves problemas assistenciais na Inglaterra atual, chegando a usar prostituição e morte como ápices de uma sequência de problemas que antes já deixavam de modo claro e eficiente sua justa denúncia.

Em Manchester à beira mar, a coisa degringola. Para evitar spoilers não vamos mencionar o acúmulo de situações sofridas pelo personagem vivido por Casey Affleck. A estrutura do roteiro parece reconhecer as armadilhas do enredo ao fazer idas e vindas (aos montes) no tempo para não mostrar cronologicamente o acúmulo de sofrimentos do protagonista. Talvez um diretor mais experiente - afinal, Kenneth Lonergan está em seu terceiro filme longo, tendo sido mais anteriormente roteirista de comédias como A Máfia no Divã - conseguisse expor melhor as tragédias do personagem. Ou, mais provavelmente, um roteirista mais hábil não escreveria o dramalhão que o mesmo Lonergan inventou, seguindo um pouco a trilha de seu primeiro filme, Conte comigo, de 2000 (não confundir com o Stand by me de 1986 que era "Conta comigo" - do verbo "contar" com 'a' aqui no Brasil) quando Laura Lynney vivia uma mãe solteira que recebia a vista de um irmão de quem estava afastada desde que seus pais morreram num acidente (olhem só) quando eram crianças, mas o reencontro não era bem o que ela esperava, trazendo mais problemas para sua vidinha já enrolada.

Uma grande diferença é que o elenco do filme mais antigo tinha Laura Lynney, sempre indicada a prêmios (que nunca recebe) e Manchester à beira mar tem Casey Affleck num desempenho que lhe vem rendendo aplausos, a meu ver, superestimados. Deixando bem claro minha visão: Casey é um ator bastante limitado que usa sempre a mesma (in)expressão soturna no rosto e que fala entre dentes como o pior de um Marlon Brando que, entretanto, era... Marlon Brando. Seus cacoetes podem ter caído algo satisfatoriamente para este personagem muito sofrido, mas é exatamente a mesma interpretação (?) que ele deu em vários filmes. Inclusive quando esteve muito bem, aparentemente, em O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford e teve sua primeira indicação ao Oscar. A segunda deve estar vindo por Manchester à beira mar, quando, dizem, deve levar a estatueta, eleito por quem não se deu conta que desde sempre ele é ator de uma chave interpretativa só. Desta vez, funciona? Até certo ponto, mas acho que estão confundido sua inexpressividade com a depressão em que vive o personagem.

Outra questão é Michelle Williams - que é ótima atriz, ela sim, versátil, além de ser uma queridinha de Hollywood. Seu papel, mínimo neste filme, é bem conduzido por ela, mas me parece também um pouco superestimado para indicações que vem tendo como atriz coadjuvante. O negócio é que roteiro e os diálogos não ajudam muito mesmo.

Já o jovem Lucas Hedge como o sobrinho adolescente e pivô do drama atual do personagem de Casey Affleck parece-me estar sendo pouco louvado: Lucas faz um tipo autocentrado, nem sempre simpático e pouco sintonizado com qualquer coisa que não seja seu interesse imediato. Talvez estejam misturando boas interpretações com personagens sofredores (com os quais temos tendência maior a nos identificarmos) e por isso o melhor desempenho do filme está menos prestigiado pelos comentários ouvidos à saída do cinema a favor de Casey Affleck. Louvemos várias associações de críticos americanas que estão lembrando Lucas - em contraste com o Globo de Ouro que o ignorou.

A cara de pau do diretor em procurar envolver a plateia em emoções emergentes chega ao uso (melhor seria dizer: abuso) do surrado, ainda que belíssimo, “Adágio” de Albinoni, executado – pasmem! - por inteiro ao loooongo de uma cena que, por si só, já teria alto teor de dramaticidade. Numa rápida contagem pelo site IMDb, deve ser a quadragésima vez que o "Adágio em Sol para arcos e órgão" de Tomaso Albinoni é usado em filmes, lembrando que a primeira foi em 1962, mas buscando forte contraste com as imagens, um uso totalmente anti-melodramático em O Processo, de Orson Welles. Usar essa melodia para enfatizar tragédias ficcionais filmadas é de uma pobreza imaginativa total. Mas esse é o tom do filme.

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Outros comentários
    4501
  • Francisco Pinheiro
    28.01.2017 às 16:36

    Eu queria dizer algo sobre esse filmes e não estava sabendo elaborar, você me salvou.
  • 4521
  • Allard Amaral
    05.03.2017 às 07:46

    "Machester a beira mar" é um típico melodrama, explorando os sentimentos mais íntimos dos seus personagens. Nada que já não se tenha visto em outro filme, talvez por uma ótica diferente. Rende bons momentos, boas cenas, boa música e só... um drama familiar e suas nuances. Temos interpretações convincentes, embora Casey Affeck mantenha a mesma expressão triste ao longo de todo o filme. Vale um ingresso !!!
  • 4527
  • Cassius
    19.03.2017 às 15:20

    Não gostei do texto, não soube justificar porque não gostou do filme. Nos primeiros parágrafos, limita-se a relacionar filmes. Em outro, fica analisando "Conte comigo" (até explica que filme era este, não precisava). De análise mesmo, citou apenas o exagero na trilha - até concordo parcialmente - e que o Affleck tem este perfil 'introspectivo' (também concordo, mas por que isso é algo ruim? Mérito do diretor em escolher o ator correto para o papel). Podem ter exagerado ao indicar a Williams, mas ela está mal? Não. Sim, o protagonista basicamente só sofre. Acontece. Conheço situações reais assim, logo isso não é "forçação de barra".
    • 4528
    • Luiz Fernando Gallego
      19.03.2017 às 19:13

      Obrigado por participar, Cassius A menção a "Conte comigo", filme anterior do mesmo diretor, foi para sublinhar as escolhas do cineasta por situações melodramáticas de perdas terríveis. Quanto ao fato de que existam situações reais bastante dramáticas, penso que, numa ficção, a dramaturgia é que importa e o que vi foi uma ânsia de comover, levar a plateia às lágrimas (incluindo a "ajuda" de música plena de pathos). Penso que - sem expor o enredo - foi justificado meu desagrado com o filme. A questão não é o sofrimento repetido do personagem, mas a interpretação monocórdia do ator. Outras pessoas o admiraram, foi premiado etc. Mas mantenho a opinião de que é ator de uma nota só por sua participação em vários filmes em que o vi atuar. Abs