Críticas


SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN, O

De: ANG LEE
Com: HEATH LEDGER, JAKE GYLLENHAAL, RANDY QUAID, ANNE HATHAWAY, MICHELLE WILLIAMS
10.02.2006
Por Mario Abbade
FAVORITO, POR QUÊ?

Desde que foi anunciado que dois símbolos sexuais de Hollywood iriam protagonizar um filme sobre um romance homossexual entre cowboys, a polêmica foi instaurada. A cada novo prêmio que O Segredo de Brokeback Mountain ganhava, mais o falatório ia aumentando. Quem não gostava do filme era acusado de homofóbico ou insensível. Quem apreciava a trama era visto como um simpatizante da causa gay ou catalogado como uma pessoa politicamente correta.



A produção chega como favorita para levar o Oscar de Melhor Filme esse ano. Alguns dizem que a Academia só estaria premiando mais uma das minorias, das tantas que já levaram a estatueta para casa. Se já tivemos o ano dos índios, dos judeus, dos portadores da AIDS, dos negros e de causas como o aborto, a pena de morte e a eutanásia, por que não dos homossexuais? Ainda mais, porque o ano de 2005 foi marcado em diversos países no mundo pela discussão do casamento entre homossexuais. Até aqui no Brasil, teve a polêmica na novela, do canal líder de audiência, sobre um possível beijo entre dois homens no horário nobre da televisão.



Polêmicas a parte, essas discussões são uma grande perda de tempo. O certo é analisar o ousado projeto do diretor Ang Lee por seus méritos artísticos. Deveríamos nos perguntar, merece os prêmios que já ganhou? É o melhor filme do ano? Bem, o filme ganhou uma ótima campanha de marketing involuntária que o está ajudando nessas conquistas, mas como manifestação artística é um filme aquém da capacidade técnica e intelectual do ótimo diretor taiwanês.



Da mesma forma que em seu injustificável Hulk, O Segredo de Brokeback Mountain é focado na supressão dos sentimentos e impulsos proibidos. Lee parece querer ajustar contas com seu próprio passado, já que esse tema está presente em toda a sua filmografia. É o velho conflito entre aparência e realidade. Ele acredita que o público ainda não entendeu sua mensagem. Na verdade, já está sendo cansativo ter que ver os mesmos elementos, independente da época e região da produção. E nesse tópico será muito difícil ele conseguir chegar à perfeição de Tempestade de Gelo ou mesmo O Tigre e o Dragão, seus filmes mais bem acabados nessa questão.



Em Brokeback acompanhamos a relação de dois cowboys do começo dos anos 60 até a década de 80. Eles são contratados para vigiar um rebanho de ovelhas. Já nos primeiros instantes em que aparecem na telona, se percebe que o personagem Jack Twist, interpretado por Jake Gyllenhaal, é homossexual. Seus olhares são um misto de atração e desejo para com o companheiro. Ao longo da projeção isso irá se confirmar, pelas outras relações que Jack terá com outros homens e pelo depoimento de seus pais. Ennis Del Mar, interpretado por Heath Ledger, é o típico homem de Marlboro. Um cara durão, de poucas palavras e semblante fechado. Aos poucos ele irá descobrir em Jack seu lado amável e sensível. Tendo contato com essa sexualidade inconcebível para a sociedade em que ele vive e, somado ao trauma de ter assistido a um homossexual ser castrado quando criança, Ennis entra em conflito com as suas crenças. Isso provocará um série de reações agressivas e um conflito interno que nunca encontrará o paraíso tão sonhado por seu espírito aflito.



Com esse argumento, adaptado por Larry McMurtry e Diana Ossana do conto de Annie Proulx, não tinha como o cineasta Ang Lee errar, até por ser um especialista nas relações humanas conflituadas. Mas como não existe fórmula matemática na sétima arte, Lee acabou se perdendo no seu próprio preconceito para com a trama e acreditou que bastava firmar seus alicerces no amor impossível entre dois homens, tendo como cenário formosas paisagens da natureza. Centralizou o sentimento dos cowboys em lindíssimos cartões postais, como uma espécie de metáfora para a liberdade. Carinho e beleza confrontavam com as residências depressivas e imagens urbanas decadentes, quando Jack e Ennis estavam com as suas respectivas esposas. E esse recurso iria prosseguir até para com outro cowboy, que também era casado, mas sem muitas explicações, resolve também embarcar em uma relação amorosa com Jack. Interessante perceber que a mulher do tal cowboy era insuportavelmente chata.



Por sinal, nenhum personagem feminino do filme é desenvolvido. Todos parecem estar lá como enfeites ou para incomodar as relações entre os homens. As únicas que se salvam são a mãe (Roberta Maxwell) de Jack e Alma, esposa de Ennis, interpretada por Michelle Williams. Ela ganha algum verniz, mas não o bastante para que sintamos compaixão por sua desgraça. Lee manipula o público para sentir pena da difícil relação entre Jack e Ennis. Já no caso de Alma, o espectador não consegue ter a mesma compaixão por sua imensa tristeza e desgraça. Lee ainda dá o golpe de misericórdia, quando a mostra abandonar o marido para se casar com alguém que possa lhe dar uma vida melhor. No final, além de chata, é interesseira. Um outro aspecto interessante é que ambas as esposas dos protagonistas, Alma e Lureen (Anne Hathaway), esposa de Jack, exibem seus seios, numa tentativa de tirar o rótulo gay da produção.



Não bastasse toda essa manipulação, Lee coloca alguns signos homossexuais gritantes durante a projeção. Chega a ser patético. (O restante deste parágrafo antecipa revelações do filme) O maior deles é uma camisa de Ennis. Jack a roubou e a colocou escondida dentro do armário com seu casaco pendurado por cima como forma de lembrança dos seus momentos íntimos na montanha. Ennis leva ambas as peças para sua casa. Depois de mudar a posição, isto é, pôr a camisa por cima do casaco, para demonstrar quem era o homem da relação, também a coloca no armário. Uma metáfora infantil e preconceituosa, de que o amor homossexual deve ser escondido no armário. Fora esses patéticos recursos narrativos, o filme de Lee é construído superficialmente em suas imagens e até a trama é sabotada pela própria maneira que ele insiste em nos apresentar que qualquer relação homossexual é e sempre será trágica por si só. O filme de Lee é um exemplo de que Hollywood ainda não está preparada para filmes sobre casais homossexuais. A felicidade é só uma ilusão fugaz.



Ennis e Jack estão presos em suas carapaças heterossexuais impostas pela sociedade. O filme é sobre as conseqüências de seu ato homossexual. Lee se utiliza de uma pretensiosa fotografia para dar aquele selo de produção artística e ao mesmo tempo faz de tudo para desconstruir o arquétipo do cowboy machão. Equivocadamente, não há nenhuma correlação entre o turbulento conteúdo da trama com o visual estéril e formal da produção. Mesmo ambientado na natureza, tudo é demasiadamente arrumado, exceto uma singela aparição de um urso. A ferocidade na relação sexual entre os dois protagonistas acaba sendo o único elemento de desconstrução da natureza. Alguns ainda podem ser levados a interpretar que a tal perfeição do ambiente é uma forma de éden, para contrastar com a relação pouco natural e subversiva. Se o caminho é esse (não é, segundo o próprio Lee), então o filme por si só já é um petardo preconceituoso. E essa contradição já mostra como existe um conflito entre o objetivo e o resultado.



O elenco está razoável, sendo que o único destaque vai para Roberta Maxwell, que interpreta a mãe de Jack. É a única personagem que transmite credibilidade no olhar. O resto se preocupa em criar tipos e figuras identificáveis para o público. O exagero nas poses, olhares e sotaques nos faz acreditar que não são pessoas de carne e osso. Um outro fator que atrapalha bastante é o não-envelhecimento de Ennis. Passados vinte anos, ele parece ter quase a mesma idade de sua filha de dezenove anos. No caso de Jack, solucionaram o problema colocando um simples bigode e uma barriga artificial como forma de mostrar sua idade mais avançada. Mais um equívoco dos realizadores.



Ao final temos a impressão de que O Segredo de Brokeback Mountain soa datado e ingênuo. Não alimenta como obra artística e não rompe barreiras. Até as cenas de paixão entre os dois homens são canhestras, duram menos de dois minutos somadas e não servem nem como forma de bandeira para qualquer movimento pró ou contra, quanto mais serem o motivo de tanta discussão. Café da Manhã em Plutão e Transamérica”,, filmes independentes que foram exibidos no Festival do Rio do ano passado, tratam o assunto de maneira mais franca, complexa e consistente. Mas, como não tinham dois símbolos sexuais criados por Hollywood nos letreiros, não despertaram a mesma curiosidade e polêmica. Uma pena.





# O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN (BROKEBACK MOUNTAIN)

EUA, 2005

Direção: ANG LEE

Roteiro: LARRY MCMURTRY, DIANA OSSANA, baseado no conto de Annie Proulx

Fotografia: RODRIGO PRIETO

Montagem: GERALDINE PERONI, DYLAN TICHENOR

Música: GUSTAVO SANTAOLALLA, MARCELO ZARVOS

Desenho de produção: JUDY BECKER

Elenco: HEATH LEDGER, JAKE GYLLENHAAL, RANDY QUAID, ANNE HATHAWAY, MICHELLE WILLIAMS

Duração: 134 minutos

Site oficial: clique aqui

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