Não surpreende que George Clooney seja o playboy mais cobiçado de Hollywood e infalível fermento de bilheteria. Afinal, para quem já foi o charmoso Dr. Douglas Ross do seriado Plantão Médico, o homem-morcego em Batman & Robin, par romântico de Michelle Pfeifer em Um Dia Especial e versão atualizada de Sinatra em Onze Homens e um Segredo, o posto atual é mais do que esperado.
Não admira tampouco que Clooney seja o artista liberal mais eloqüente do momento. Filho de um jornalista que já concorreu a uma vaga no Senado pelo Partido Democrata e adversário frontal da política de George W. Bush, o astro não chega a ser um Michael Moore de Armani, mas já fez o bastante para mobilizar a direita americana no seu encalço, aos gritos de “traidor da pátria”.
O que espanta em Clooney é que ele consegue ser essas duas coisas ao mesmo tempo. Galã e engajado. Mulherengo e grave. Mundano e ético. Poucos atores se meteriam na mata espinhenta de Boa Noite e Boa Sorte e Syriana – A Indústria do Petróleo para sair do outro lado de cabelos penteados e com as mulheres ainda suspirando por eles.
Warren Beaty talvez o tenha feito antes. Mas o Sr. Annette Bening mantinha uma vida conjugal respeitável e até cogitou uma candidatura à presidência. Clooney, não. Cultiva suas badalações nos EUA e Europa, investe na construção de um complexo hoteleiro em Las Vegas e não pensa em cargo público. Conhece bem as contradições entre o exercício profissional da política e a fama artística, preferindo evitá-las. Sua atuação consiste em usar a voz de celebridade para alertar seus compatriotas para os erros que Bush comete dentro e principalmente fora de suas fronteiras. Opôs-se desde o primeiro tiro à invasão do Iraque e não o fez à boca pequena. Sempre que pode, aconselha os americanos a viajar e compreender melhor o resto do mundo. De resto, faz campanhas de assistência e desenvolvimento no Terceiro Mundo, com preferência pelo movimento Make Poverty History.
Como Michael Moore, Clooney tem marcado posição, mais que tudo, com as armas do seu ofício. No caso dele, o cinema de ficção. Já na comédia Três Reis, de David O. Russell (1999), Clooney se engajava num projeto dissonante em relação aos clichês patrióticos que envolviam a atuação dos EUA na guerra do Kwait. Em Syriana, ele volta ao cenário do Oriente Médio, agora co-produzindo o filme do amigo Stephen Gaghan em mais uma parceria com Steven Sorderbergh. Como um agente da CIA outrora infiltrado no grupo extremista Hizbollah, aparece gordo, barbudo, desglamourizado. Na penosa cena em que é torturado, machucou de verdade a espinha e teve que se submeter a uma cirurgia. Concorre ao Oscar de ator coadjuvante por um papel onde é todo discrição.
Clooney parece estar empenhado em matizar o seu perfil de protagonista. Também em Boa Noite e Boa Sorte, que dirigiu e co-escreveu, reservou para si um papel menor, o do produtor de TV Fred Friendly, sombra e suporte da estrela Edward R. Murrow. Em matéria de interpretação, todas as honras – e a indicação ao Oscar de ator principal – foram para David Strathairn, um primor de enrijecimento e precisão física. Mas, quando se fala em direção, os méritos de Clooney são imensos nesse filme de atmosfera sugestiva e confecção minimalista, que custou menos de 8 milhões de dólares – pouco mais que um saco de pipocas para a média das produções hollywoodianas. Ele concorre também ao Oscar de melhor diretor no próximo dia 5 de março.
Remanescentes da velha TV americana foram unânimes em elogiar a fidelidade com que o filme evoca o ambiente claustrofóbico dos estúdios da CBS e a qualidade do debate político em que Murrow e o Senador Joseph McCarthy se engalfinharam através do programa See it Now. Mesmo para quem não pode comparar com a realidade, a impressão é de um estimulante amálgama entre reconstituição histórica e acomodação ficcional.
Boa Noite é, sem dúvida, um filme de mocinho e bandido. Murrow é construído como herói da dignidade jornalística contra um vilão habilmente colhido nas imagens de arquivo de McCarthy. Com isso, Clooney quis evocar uma era onde nem toda a grande imprensa se vendia por publicidade ou por apelos de patriotismo calhorda. O filme é um libelo contra o corrente jornalismo “embutido” na máquina governamental ou condicionado por conveniências políticas. Extrapolando o estúdio de TV, há também mensagens claras contra a política externa americana. Diante de Boa Noite, até parece que estamos de volta ao cinema engajado dos anos 1970, só que com charme renovado.
A televisão é o cenário da resistência clooneyana. São famosas as trocas de farpas entre Clooney e Bill O’Reilly, âncora político da conservadora e bushiana Fox News.
Se o seu primeiro trabalho de direção, o ótimo Confissões de uma Mente Perigosa, era uma brincadeira em torno de Chuck Barris, o showman de TV e suposto assassino da CIA, Boa Noite e Boa Sorte é artigo bem mais sério. E Clooney já está planejando uma refilmagem, para a telinha, do célebre Rede de Intrigas, sobre a exploração da psicose de um apresentador de TV pela sua emissora.
O belo moço tem razões familiares para se envolver com esse tema. Seu pai, o jornalista Nick Clooney, foi apresentador de televisão por várias décadas e hoje escreve coluna semanal no jornal The Cincinnati Post. São interessantes os três artigos bem paternais que ele escreveu recentemente sobre o trabalho e o sucesso do filho – um sobre Boa Noite , um sobre Syriana e outro sobre
">as indicações para o Oscar. O toque familiar se estende às pausas musicais de Boa Noite, onde Diane Reeves canta arranjos da tia de George, a cantora e atriz Rosemary Clooney (1928-2002), acompanhada pelos músicos da banda que tocava com ela.
Tanto este quanto Syriana são filmes puros e duros, daqueles que antigamente chamávamos de “miúras” – sóbrios, circunspectos, que não facilitam as coisas para o público. Ambos se negam a traduzir o jargão dos respectivos meios, assim como não abrem espaço para refrescos de humor, seduções estéticas, nem mesmo estratagemas psicológicos. Mas não se pode dizer que esse ressecamento surta efeito positivo nos dois casos. Em Boa Noite e Boa Sorte, ele arrasta o espectador para o núcleo central das idéias em conflito, potencializa a proximidade e, digamos, a emoção intelectual. Já Syriana, com sua narrativa pulverizada e extremamente cifrada, deixa a platéia desamparada na maior parte do tempo. A vasta pauta de interesses e métodos escusos dos americanos no Oriente Médio é disposta de maneira um tanto mecânica e fria. Temos, quase sempre, cabeças falantes e corpos que se movimentam em fragmentos de tabuleiro, sem que nos demos conta de quais são as peças brancas e quais as pretas.
Para além desses desníveis, fica no ar a intrigante opção de George Clooney em conciliar, não sem grande risco, as personae de sedutor e de combatente ideológico. Por isso mesmo, ele é hoje a figura mais interessante do cinema americano.
# BOA NOITE E BOA SORTE (GOOD NIGHT, AND GOOD LUCK)
EUA, 2005
Direção: GEORGE CLOONEY
Roteiro: GEORGE CLOONEY, GRANT HESLOV
Produção executiva: STEVEN SODERBERGH e outros
Fotografia: ROBERT ELSWIT
Montagem: STEPHEN MIRRIONE
Direção de arte: CHRISTA MUNRO
Elenco: DAVID STRATHAIRN, ROBERT DOWNEY JR., PATRICIA CLARKSON, RAY WISE, FRANK LANGELLA, JEFF DANIELS, GEORGE CLOONEY
Duração: 93 minutos
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# SYRIANA – A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO (SYRIANA)
EUA, 2005
Direção: STEPHEN GAGHAN
Roteiro: STEPHEN GAGHAN, baseado no livro de Robert Baer
Produção executiva: STEVEN SODERBERGH, GEORGE CLOONEY
Fotografia: ROBERT ELSWIT
Montagem: TIM SQUYRES
Música: ALEXANDRE DESPLAT
Elenco: MATT DAMON, GEORGE CLOONEY, CHRISTOPHER PLUMMER, CHRIS COOPER, JEFFREY WRIGHT, ALEXANDER SIDDIG
Duração: 126 minutos
Site oficial: clique aqui