Que crítico de cinema é uma raça pra lá de ranzinza, não restam dúvidas – basta uma olhadela nas tradicionais listas de melhores filmes do ano, onde raramente se encontram comédias. Assistir, nas sessões fechadas para críticos, a filmes até mesmo hilários como Desconstruindo Harry, de Woody Allen, significa correr o risco de estar submetido a um imperioso e traumatizante silêncio. Crítico mal sorri, que dirá gargalhar.
Então Woody Allen resolve fazer um filme mais sério, com “mensagem”, e pronto: é o suficiente para virar unanimidade entre a crítica, cansada de suas “comediazinhas recentes, onde ele vivia se repetindo”. Como se Woody Allen tivesse feito outra coisa em décadas de carreira. Foram as repetições – de temas, de estilo, de equipe técnica, de piadas, etc – com pequenas variações aqui e ali, que construíram a persona do judeu nova-iorquino que continuava provocando gargalhadas mesmo ao alucinante ritmo de produção de um filme por ano.
Mas os críticos que andaram bocejando nos divertidíssimos Dirigindo no Escuro e Igual a Tudo na Vida clamavam pela chance de finalmente sentenciar “a volta de Allen à forma”. Em Ponto Final encontraram o motivo para o regozijo, que vai desde ele ter trocado o jazz pela ópera na trilha sonora às semelhanças com um de seus melhores filmes, Crimes e Pecados.
O fato é que pecados ele comete muitos em seu novo filme. O mais grave deles é não conseguir o que sempre soube fazer melhor: arrancar risos da platéia. São duas horas de projeção sem que uma gargalhada sequer seja ouvida, isso sim um crime grave em se tratando de Woody Allen. E não venham com esse papo de “filme sério”: a fábula moral proposta por ele (“na vida pode ser melhor ter sorte do que ser uma pessoa boa”, utilizando como metáfora a queda de uma bolinha de tênis no lado certo da quadra após resvalar na fita da rede) é de ruborizar autores de best-sellers de auto-ajuda.
Ao se tentar levar a sério – inclusive citando o pobre Raskolnikov de Crime e Castigo, de Dostoievski – Allen só cai no ridículo, expondo os defeitos de uma trama de suspense que nada mais é do que uma mal-feita colcha de retalhos de clichês do gênero. Percebe-se também a confusão dos atores na hora de tentar encontrar o tom certo para seus personagens – à exceção da excelente Scarlett Johansson, os demais beiram a caricatura involuntária, com destaque negativo para Emily Mortimer, a ingênua noiva do tenista-alpinista social.
Tantos problemas seriam amenizados se Woody Allen tivesse feito, com a mesma história, uma paródia debochada para vender sua “tese” sobre a amoralidade. Mas ele preferiu se renovar, deixando de lado os diálogos geniais que saíam com a velocidade de uma AR-15 de sua sofisticada e humorada metralhadora verbal, para reconquistar os críticos com um dos filmes mais decepcionantes do ano. Pelo menos a partir de agora unanimidade ele também já não é mais.
# PONTO FINAL – MATCH POINT (MATCH POINT)
Inglaterra/EUA/Luxemburgo, 2005
Direção e Roteiro: WOODY ALLEN
Fotografia: REMI ADEFARASIN
Montagem: ALISA LEPSELTER
Elenco: JONATHAN RHYS MEYERS, SCARLETT JOHANSSON, EMILY MORTIMER, MATTHEW GOODE, BRIAN COX, PENELOPE WILTON
Duração: 124 minutos
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