Escrito e dirigido por Noah Baumbach, (o roteirista de A vida Aquática de Steve Zissou ), A Lula e a Baleia , comentado filme-cult da temporada, não é exatamente o que andam dizendo. Em primeiro lugar, não se trata de uma comédia, como querem os tijolinhos dos jornais. Há trechos patéticos e outros bem humorados, mas o filme, baseado na experiência pessoal de Noah com a separação de seus pais, é um drama. Um retrato na linha psicodrama-filmes ou filosofia-fílmica, que rende bons debates. Depois, apesar de ter aspectos surpreendentes, não é tão estarrecedor quanto andam dizendo.
Isto porque sua melhor qualidade é também o seu maior defeito: o fato de ser pessoal. Noah cresceu no Brooklin dos anos 80, filho de dois conhecidos intelectuais (o pai, Jonathan, era romancista, e a mãe, Georgia, crítica de cinema do Village Voice, ambos com doutorados e outras láureas) e, em sua mesa, diariamente, discutia-se - ou pretensiosamente determinavam-se regras de - literatura e filosofia. Nessa atmosfera vê-se a vida de uma família do momento em que o casamento de 17 anos dos pais começa a declinar até depois do divórcio, sob o ponto de vista dos efeitos destes fatos nos filhos. Neste ponto, A Lula e a Baleia lembra o angustiante Tempestade de Gelo, feito em 1997 por Ang Lee.
Muitos dos cacoetes da sofisticada intelectualidade nova-iorquina estão na tela: o frenesi pelo filme-cult; as acaloradas discussões teóricas e um extremo rigor na educação dos filhos. Quase todos os cacoetes, exceto um: a paixão pela psicanálise, marca registrada de um Woody Allen, por exemplo. Toda a família retratada por Noah no filme - pai (Jeff Daniels), mãe (Laura Linney), Walt, o filho de 16 anos (Jesse Eisenberg) e Frank (Owen Kline), de 11 - passou longe de uma terapia. Talvez por terem lido muitos livros, papai e mamãe são de uma arrogância destruidora, sem espaço para psicanalistas ou qualquer instante de auto-análise. Eles (principalmente o pai), acham que sabem tudo - e seus filhos pensam que isto é verdade.
Aqui a maior vantagem do diretor é ter optado por um relato cru, distanciado emocionalmente, que se traduz numa fotografia de cores esmaecidas. O clima é o de um super-8 doméstico, em que o cinegrafista está apenas levemente irritado com o que retrata. Vai daí o humor de certas cenas, como quando os pais discutem a custódia do gato - ou se escutam as observacões do professor de tênis do filho mais novo (William Baldwin, ótimo). Mas a história que Noah quer contar é a de uma família em que todos competem entre si, sem distinção hierárquica ou respeito pelas faixas etárias. Assim sendo, papai e mamãe lutam para saber quem escreve melhor; o pai quer dividir namoradinhas com Walt; a mãe está numa espécie de campeonato para saber com quantos homens pode transar e o filho mais novo disputa com o pai o título de melhor atleta da família.
Papai e mamãe competem até mesmo para saber quem cozinhou mais refeições para a família. Está certo, na confusão das brigas rumo ao divórcio, que atire a primeira pedra quem não errou - e muito. Mas será que o público brasileiro não está cansado de assistir ao falido modelo de relações dos americanos (entre si e para com o mundo)? Dinheiro, status, dinheiro, competição, prêmios & competição. Ai, que cansaço. Então, mesmo que a célula familiar do filme funcione como uma boa metáfora do resto da América, não sei se o nosso público vai se identificar tanto com isto. É claro, trata-se de um filme bastante diferenciado, a que se assiste com bastante tensão e atenção. Só o desempenho dos dois jovens atores e a metáfora final já valeriam o ingresso. Há que se conferir.
# A LULA E A BALEIA (THE SQUID AND THE WHALE)
EUA, 2005
Direção e roteiro: NOAH BAUMBACH
Produção: WES ANDERSON, PETER NEWMAN, CHARLIE CORWIN, CLARA MARKOWICZ, REVERGE ANSELMO, MIRANDA BAILEY, GREG JOHNSON, ANDREW LAUREN
Fotografia: ROBERT D. YEOMAN
Música: DEAN WAREHAM, BRITTA PHILIPS
Montagem: TIM STREETO
Elenco: JEFF DANIELS, LAURA LINNEY, JESSE EISENBERG, OWEN KLINE, HALLEY FEIFFER, ANNA PAQUIN, WILLIAM BALDWIN.
Duração: 81 minutos
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