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CANNES 2025 – OS VENCEDORES

25.05.2025
Por Marcelo Janot
Uma análise do resultado da premiação

O apagão real que tomou conta de Cannes durante várias horas no dia da premiação felizmente não se refletiu metaforicamente nas decisões do júri, que de uma maneira geral foram bem satisfatórias. Se ano passado, com a atriz e diretora Greta Gerwig à frente do júri, a vitória de “Anora” causou espanto sobretudo após a repercussão positiva da exibição de “A Semente do Fruto da Sagrado” (que só ganhou um prêmio de consolação e o da crítica), dessa vez o grupo de jurados comandado por Juilette Binoche fez justiça ao cinema iraniano e deu a Palma de Ouro a “It Was Just An Accident”, obra-prima de Jafar Panahi – na minha opinião, o melhor filme concorrente, sobre o qual já falei aqui (leia o texto sobre esse e outros filmes na minha cobertura do festival).

Os prêmios de direção para Kleber Mendonça Filho e de ator para Wagner Moura também foram super merecidos. Kleber evolui a cada filme, e como escrevi antes, se “O Agente Secreto” não é um filme que causa o mesmo impacto que “Bacurau”, trata-se de uma reflexão madura e necessária sobre uma realidade brasileira que encontra forte eco no presente, com elementos de thriller e ritmo envolvente.

Embora o ótimo “Two Prosecutors”, de Sergei Loznitsa, não merecesse sair do Festival de mãos abanando, foi interessante a escolha de “Sentimental Value”, do norueguês Joachim Trier, para o Grand Prix do Júri (equivalente ao segundo lugar). Estrelado pela mesma Renate Reinsve que ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes pelo filme anterior de Trier, “A Pior Pessoa do Mundo”, o filme tem uma atmosfera bergmaniana (porém mais leve): é um drama sobre relações familiares que se passa quase todo na casa que remete ao passado dos personagens. Stellan Skarsgard interpreta um cineasta veterano que planeja retomar a carreira com uma história bem pessoal, e quer que ela seja estrelada pela filha atriz com quem ele mal fala há anos.

Além de Binoche na presidência, o júri incluía também a atriz americana Halle Berry, a diretora indiana Payal Kapadia, a atriz italiana Alba Rohrwacher, a escritora franco-marroquina Leïla Slimani, o diretor e produtor congolês Dieudo Hamadi, o diretor sul-coreano Hong Sangsoo, o diretor mexicano Carlos Reygadas e o ator americano Jeremy Strong. Eles dividiram o Prêmio do Júri (equivalente ao “terceiro lugar”) entre dois filmes de jovens realizadores: o alemão “Sound of Falling”, de Mascha Schilinski, e o espanhol “Sirat”, de Oliver Laxe. Sobre este último, já escrevi uma longa reflexão (e ainda não consegui chegar à conclusão se amei ou odiei). Já o alemão talvez mereça uma revisão, já que vem merecendo comparações até com “A Fita Branca”. Só que enquanto o impacto do filme de Michael Haneke vem da economia, do que menos se revela, o longa de Schilinski me pareceu querer dar conta de muita coisa para falar de como a história de quatro gerações de mulheres que viveram no mesmo local na Alemanha Oriental em períodos distintos se relaciona.

O júri também resolveu adicionar um Prêmio Especial para a ficção científica chinesa “Ressurrection”, de Bi Gan, para valorizar a ousadia narrativa de uma obra que se passa numa sociedade em que a humanidade perdeu a capacidade de sonhar. O filme tem momentos muito bonitos, como a longa abertura, que soa como uma homenagem ao cinema mudo, e serve como introdução para uma história confusa e irregular.

O prêmio de melhor roteiro foi para “Jeunes Merés”, reconhecendo a importância do cinema humanista dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, que aqui acompanham o drama de cinco adolescentes lutando com as várias questões da maternidade precoce. É um filme correto, tocante como se era de esperar pelo tema, na (boa) média do que os Dardenne costumam fazer. Por fim, o prêmio de melhor atriz deve ter sido o mais difícil de decidir. Havia uma porção de ótimas atuações femininas, e o júri acabou optando por Nadia Melliti, a atriz francesa de origem argelina de 23 anos que protagoniza “La Petite Dernière”, de Hafsia Herzi, interpretando uma jovem lidando com a descoberta e a afirmação de sua homossexualidade. É uma ótima interpretação em um filme apenas bem intencionado, que peca pelo excesso de didatismo na construção da trama.

Para uma edição que trouxe muitos filmes medianos, algumas bombas e poucas obras realmente acima da média, o resultado da premiação está de bom tamanho. A curadoria foi inclusiva no que diz respeito a questões políticas e humanistas, mas a presença da América Latina se resumiu a “O Agente Secreto” e da África foi nula, nos fazendo questionar se de fato não haviam filmes desses continentes aptos a figurar na competição principal. Aguardemos 2026!

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