Numa das sessões para convidados do mais novo filme do diretor gaúcho Jorge Furtado, Mercado de Notícias, mais de 70 pessoas interessantes e interessadas se encontraram no Centro Cultural Midrash, no Leblon, para após a exibição do filme debater os percalços e responsabilidades dos profissionais de mídia. Na plateia, jornalistas como Janio de Freitas – que também é um dos 13 convidados pelo diretor a dar depoimento no filme - e o músico Caetano Veloso. No microfone, Geneton Moraes Neto. A distribuição de santinhos com a oração à Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, entronizada como a Padroeira dos Jornalistas e dos Escritores, deu o tom da noite.
Num clima ameno e sem grandes polêmicas, assuntos como o da repercussão de notícias fictícias como se fossem reais rechearam os diálogos e suscitaram muitas risadas na plateia. A deturpação de fatos e depoimentos mal editados, por exemplo, é levantado por Caetano como um dos motivos que o levaram a ficar por dois anos sem dar entrevista. Outro músico lembrado como de difícil acesso foi Chico Buarque. A disseminação das redes sociais - tais como o twitter -, onde o espectador é convidado a participar online numa mesa de debates, também foi apontado como algo temeroso, pois, dependendo, o comentário pode se transformar numa insidiosa acusação ou tido como falso testemunho.
Para ilustrar tal constrangimento, Geneton chegou a acionar na justiça um tuiteiro que o acusou de ter retirado de seu trabalho acadêmico as perguntas que fazia ao vivo na entrevista. Trabalho que o estudante lhe havia enviado um tempo antes e ele nem sequer havia tido tempo de folhear. Como considera que o mínimo que um profissional de imprensa tem que ter é credibilidade, julgou imprescindível levar o caso aos tribunais para conquistar um precedente que, a partir de então, pudesse ser utilizado como instrumento intimidador. Outro ponto levantado no debate é a ausência de mídia onde o jornalista possa colocar sua própria opinião, fora dos ditames da empresa. Por pura falta de hábito em discutir sobre seu próprio ofício, o profissional de imprensa aceita mal quando lhe fazem crítica, papel que não deveria se restringir aos ombudsmen. No que o filme traz um espaço pra lá de importante para suprir esta lacuna.
A diminuição dos jornais também foi lembrada com pesar. Nos anos 1970 o leitor podia escolher qual veículo iria ler, tamanha a diversidade: “O Pasquim”, “Opinião”, “A Crítica”, “O Jornal”. Uma pluralidade onde hoje as redes sociais passaram a ocupar um espaço considerável como formadora de opinião. No entanto, essas mesmas redes carecem no quesito credibilidade, já que são apontadas como as grandes vilãs na disseminação de testemunhos falsos e notícias virais sem fundamento. Tanto que as universidades começaram a desenvolver sites e pesquisas para auxiliar o público que deseja conferir a veracidade dos fatos e combater tanta boataria e hoaxs.
Um exemplo é o site desenvolvido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) que, com uma equipe de oito jornalistas sob o comando de Edgard Matsuki, há um ano teve a ideia de desenvolver o www.boatos.org, que desmancha as verdadeiras bolas de neve em que se transformam notícias divulgadas sem a devida confirmação. Na ânsia pelo furo de reportagem, a suposição se transforma em fato, gerando maior volume de informação, mais cópia e menos apuração. Na pressa, o jornalista se limita a reproduzir algo que alguém, como ele, não teve o cuidado de checar antes com mais apuro. Casos que, infelizmente, estão se tornando corriqueiros. Na noite do debate, uma das conversas era o da “barriga” exposta do jornalista Ancelmo Gois, que, no afã de ser o primeiro a colocar o nome do escritor Ariano Suassuna no obituário, o fez sem ter verificado a autenticidade da informação fornecida pela Academia Brasileira de Letras, que divulgou, de forma precipitada e inconsequente, a morte do acadêmico, forjando, assim, um ciclo de equívocos desnecessário. Afinal, invertendo o caso de Helena de Páris, por mais idônea que uma fonte possa parecer, ela também tem que ser. A dúvida precedendo as certezas para que não se transforme em lugar comum o desmentido como pauta no jornalismo.
Outra universidade que vem contribuindo com pesquisas é a do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) criou o que denominou de “manchetômetro”, quando manchetes são distorcidas para causar impacto e manipular os leitores conforme os interesses partidários da linha editorial da empresa. Qualquer leitor mais atento percebe a tentativa tosca de reforçar aspectos negativos ou positivos dos acontecimentos conforme os protagonistas de ocasião. Na área política esta prática é mais “bandeirosa”. No passado recente, vimos a blindagem de Fernando Henrique Cardoso e a exposição despudorada de Luiz Inácio Lula da Silva. Na atual disputa presidencial, notícias sobre Aécio Neves são mais equilibradas – diferentemente do personagem quase sempre cambaleante – em comparação com a presidenta Dilma Rousseff. Segundo estatísticas do LEMEP, a presidenta é bombardeada na proporção de 182 informes negativos para apenas 15 positivos, se intensificando no período eleitoral. No noticiário econômico, a situação é ainda mais grave, pois mais de 90% das noticias são de cunho negativo. A linguagem utilizada é dicotômica e com poucas nuances, “interpretando os fatos e dados econômicos como sinais de uma crise, ou em andamento, ou prestes a acontecer”.
Na página www.manchetometro.com.br, um estudo das manchetes de três jornais de base (Folha de S. Paulo, O Globo, Estado de S. Paulo) e na TV o Jornal Nacional da Rede Globo é feito e analisado conforme o partidarismo. Sendo considerada manchete somente a chamada principal da capa do jornal. Ou seja, de cada veículo é destacada somente uma entrada por dia. Sendo o manchetômetro um medidor de valências das manchetes dos jornais. Os gráficos da cobertura agregada dos três jornais impressos, por exemplo, mostram que a economia teve em julho 97,6% de notícias negativas contra apenas 2,4% de notícias positivas. Daí, temos evidências de que a imprensa hegemônica rompeu com o dito jornalismo isento e probo. Jorge Furtado vê no predomínio do noticiário econômico que os jornais passaram a exercer um “complexo de Gazeta Mercantil” e sente falta da publicação de mais informação com indicadores sociais.
Em seu recente documentário vemos a oportunidade de reflexão sobre o papel da imprensa e de quanto a prática do jornalismo sério ajuda na transmissão de conhecimento, posto que a internet ainda vive a infância quanto a este tipo de exercício. Segundo ele, “ser original é voltar às origens”. Com esse intento, volta ao século XVII, mais precisamente a uma peça teatral que discorre sobre um dia londrino de 1625, escrita pelo dramaturgo inglês Ben Jonson. Foram três anos consumidos na tradução desse texto elisabetano que o fustigou como ideia original. Ao todo, foram oito anos de dedicação até ver o filme pronto. Minúcias de quem respeita a legitimidade. O próximo trabalho será uma ficção onde o protagonista é um cego. Como homem de visão que já provou ser, aguardamos com desvelo seu novo empreendimento visionário.
Leia a resenha do filme por Carlos Alberto Mattos