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QUANDO O BOATO VIRA MANCHETE

06.08.2014
Por Marcia Vitari
Um debate em torno do filme "O Mercado de Notícias"

Numa das sessões para convidados do mais novo filme do diretor gaúcho Jorge Furtado, Mercado de Notícias, mais de 70 pessoas interessantes e interessadas se encontraram no Centro Cultural Midrash, no Leblon, para após a exibição do filme debater os percalços e responsabilidades dos profissionais de mídia. Na plateia, jornalistas como Janio de Freitas – que também é um dos 13 convidados pelo diretor a dar depoimento no filme - e o músico Caetano Veloso. No microfone, Geneton Moraes Neto. A distribuição de santinhos com a oração à Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, entronizada como a Padroeira dos Jornalistas e dos Escritores, deu o tom da noite.

Num clima ameno e sem grandes polêmicas, assuntos como o da repercussão de notícias fictícias como se fossem reais rechearam os diálogos e suscitaram muitas risadas na plateia. A deturpação de fatos e depoimentos mal editados, por exemplo, é levantado por Caetano como um dos motivos que o levaram a ficar por dois anos sem dar entrevista. Outro músico lembrado como de difícil acesso foi Chico Buarque. A disseminação das redes sociais - tais como o twitter -, onde o espectador é convidado a participar online numa mesa de debates, também foi apontado como algo temeroso, pois, dependendo, o comentário pode se transformar numa insidiosa acusação ou tido como falso testemunho.

Para ilustrar tal constrangimento, Geneton chegou a acionar na justiça um tuiteiro que o acusou de ter retirado de seu trabalho acadêmico as perguntas que fazia ao vivo na entrevista. Trabalho que o estudante lhe havia enviado um tempo antes e ele nem sequer havia tido tempo de folhear. Como considera que o mínimo que um profissional de imprensa tem que ter é credibilidade, julgou imprescindível levar o caso aos tribunais para conquistar um precedente que, a partir de então, pudesse ser utilizado como instrumento intimidador. Outro ponto levantado no debate é a ausência de mídia onde o jornalista possa colocar sua própria opinião, fora dos ditames da empresa. Por pura falta de hábito em discutir sobre seu próprio ofício, o profissional de imprensa aceita mal quando lhe fazem crítica, papel que não deveria se restringir aos ombudsmen. No que o filme traz um espaço pra lá de importante para suprir esta lacuna.

A diminuição dos jornais também foi lembrada com pesar. Nos anos 1970 o leitor podia escolher qual veículo iria ler, tamanha a diversidade: “O Pasquim”, “Opinião”, “A Crítica”, “O Jornal”. Uma pluralidade onde hoje as redes sociais passaram a ocupar um espaço considerável como formadora de opinião. No entanto, essas mesmas redes carecem no quesito credibilidade, já que são apontadas como as grandes vilãs na disseminação de testemunhos falsos e notícias virais sem fundamento. Tanto que as universidades começaram a desenvolver sites e pesquisas para auxiliar o público que deseja conferir a veracidade dos fatos e combater tanta boataria e hoaxs.

Um exemplo é o site desenvolvido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) que, com uma equipe de oito jornalistas sob o comando de Edgard Matsuki, há um ano teve a ideia de desenvolver o www.boatos.org, que desmancha as verdadeiras bolas de neve em que se transformam notícias divulgadas sem a devida confirmação. Na ânsia pelo furo de reportagem, a suposição se transforma em fato, gerando maior volume de informação, mais cópia e menos apuração. Na pressa, o jornalista se limita a reproduzir algo que alguém, como ele, não teve o cuidado de checar antes com mais apuro. Casos que, infelizmente, estão se tornando corriqueiros. Na noite do debate, uma das conversas era o da “barriga” exposta do jornalista Ancelmo Gois, que, no afã de ser o primeiro a colocar o nome do escritor Ariano Suassuna no obituário, o fez sem ter verificado a autenticidade da informação fornecida pela Academia Brasileira de Letras, que divulgou, de forma precipitada e inconsequente, a morte do acadêmico, forjando, assim, um ciclo de equívocos desnecessário. Afinal, invertendo o caso de Helena de Páris, por mais idônea que uma fonte possa parecer, ela também tem que ser. A dúvida precedendo as certezas para que não se transforme em lugar comum o desmentido como pauta no jornalismo.

Outra universidade que vem contribuindo com pesquisas é a do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) criou o que denominou de “manchetômetro”, quando manchetes são distorcidas para causar impacto e manipular os leitores conforme os interesses partidários da linha editorial da empresa. Qualquer leitor mais atento percebe a tentativa tosca de reforçar aspectos negativos ou positivos dos acontecimentos conforme os protagonistas de ocasião. Na área política esta prática é mais “bandeirosa”. No passado recente, vimos a blindagem de Fernando Henrique Cardoso e a exposição despudorada de Luiz Inácio Lula da Silva. Na atual disputa presidencial, notícias sobre Aécio Neves são mais equilibradas – diferentemente do personagem quase sempre cambaleante – em comparação com a presidenta Dilma Rousseff. Segundo estatísticas do LEMEP, a presidenta é bombardeada na proporção de 182 informes negativos para apenas 15 positivos, se intensificando no período eleitoral. No noticiário econômico, a situação é ainda mais grave, pois mais de 90% das noticias são de cunho negativo. A linguagem utilizada é dicotômica e com poucas nuances, “interpretando os fatos e dados econômicos como sinais de uma crise, ou em andamento, ou prestes a acontecer”.

Na página www.manchetometro.com.br, um estudo das manchetes de três jornais de base (Folha de S. Paulo, O Globo, Estado de S. Paulo) e na TV o Jornal Nacional da Rede Globo é feito e analisado conforme o partidarismo. Sendo considerada manchete somente a chamada principal da capa do jornal. Ou seja, de cada veículo é destacada somente uma entrada por dia. Sendo o manchetômetro um medidor de valências das manchetes dos jornais. Os gráficos da cobertura agregada dos três jornais impressos, por exemplo, mostram que a economia teve em julho 97,6% de notícias negativas contra apenas 2,4% de notícias positivas. Daí, temos evidências de que a imprensa hegemônica rompeu com o dito jornalismo isento e probo. Jorge Furtado vê no predomínio do noticiário econômico que os jornais passaram a exercer um “complexo de Gazeta Mercantil” e sente falta da publicação de mais informação com indicadores sociais.

Em seu recente documentário vemos a oportunidade de reflexão sobre o papel da imprensa e de quanto a prática do jornalismo sério ajuda na transmissão de conhecimento, posto que a internet ainda vive a infância quanto a este tipo de exercício. Segundo ele, “ser original é voltar às origens”. Com esse intento, volta ao século XVII, mais precisamente a uma peça teatral que discorre sobre um dia londrino de 1625, escrita pelo dramaturgo inglês Ben Jonson. Foram três anos consumidos na tradução desse texto elisabetano que o fustigou como ideia original. Ao todo, foram oito anos de dedicação até ver o filme pronto. Minúcias de quem respeita a legitimidade. O próximo trabalho será uma ficção onde o protagonista é um cego. Como homem de visão que já provou ser, aguardamos com desvelo seu novo empreendimento visionário.

Leia a resenha do filme por Carlos Alberto Mattos

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