Críticas


ENTREVISTÃO – EDUARDO COUTINHO

03.02.2014
Por Críticos.com.br
Em 2002, o cineasta recebeu a equipe do Críticos para uma longa e reveladora entrevista, transcrita na íntegra

REVELAÇÕES SOBRE A VIDA E PONTO FINAL

(Entrevista realizada por Daniel Schenker, Luciano Trigo, Marcelo Janot e Maria Silvia Camargo)

Se eu estou filmando o outro é porque eu não me conheço e eu preciso conhecer o outro para me ver. Cinema é a minha forma de viver porque é a forma que eu tenho de me relacionar com o outro. Tem outras formas mais sadias também, mas a minha é o cinema.

Eduardo Coutinho



O cineasta Eduardo Coutinho virou sinônimo de um novo jeito de se fazer documentário, capaz de derrubar certos mitos que envolvem o formato, entre eles o da “verdade absoluta” que, na teoria, deveria ser perseguida pelo formato. Após radiografar, no universo da favela, o sincretismo religioso (Santo Forte) e a vida no morro às vésperas do novo milênio (Babilônia 2000), Coutinho pela primeira vez se volta para a classe média, cada vez mais invisível no cenário social e político brasileiro. O resultado é Edifício Master (leia a crítica de Carlos Alberto Mattos).

Embora rejeite o título de “mestre”, Coutinho está fazendo escola na nova geração de documentaristas brasileiros. E ao receber a equipe de Críticos.com.br para essa entrevista exclusiva, ele nos deu uma aula de cinema e ética profissional. Foram uma hora e quinze minutos de entrevista que, transcritos aqui na íntegra, ajudam a entender o que é o cinema de Eduardo Coutinho. Boa leitura.



Críticos.com.br– Eu queria tocar num ponto antes de começarmos a falar de Edifício Master. Desde que começou essa coisa do morro descer, essa história de poder paralelo, logo me veio a mente o Babilônia 2000, aquela cena que para mim é muito emblemática: um dos moradores do morro, na praia do Leme, fala: “Se preparem que o morro vai descer e a guerra vai acontecer”. Como é que você se sente tendo documentado aquilo há tanto tempo?

EDUARDO COUTINHO – A cena é exatamente um cara vendendo coco na praia que diz que o Brasil só podia mudar com uma guerra: metade contra metade e que tinha que liquidar os outros e aí morreria muita gente. Só assim o Brasil ia ficar bom. Ao mesmo tempo ele se lamentava que o Brasil é muito grande e seria uma guerra meio complicada. Então, eu não vejo muita relação nisso. Ele apenas expressa um tipo de revolta que você pode verificar em outro tipo de acontecimento que está havendo no Rio. O que importa é o seguinte: o que ele fala lá só entrou no filme porque outros caras fizeram claramente um discurso pronto, o discurso “queixa da vida”, que é insuportável. E você sabe que se queixar da vida, todos se queixam da vida. Queixa é insuportável, então tem o cara que se queixa e pega uma pedra para atirar no soldado e não atira. O que interessa é o que atira. E esse cara, ele expressa esse tipo de coisa com uma veemência extraordinária, então, o importante não é tanto o conceito com que ele diz e sim a forma como ele diz aquilo. É o que eu chamo de palavra incorporada. Ele constrói o discurso enquanto fala e é muito bonito.



Críticos.com.br – É curioso porque você já tinha documentado essa questão do morro, de dar voz ao morro, antes no documentário Santa Marta, e que até mostrava a relação dos moradores com os policiais e tal. O que vc acha que mudou de 1986 para hoje?

EDUARDO COUTINHO – Foi engraçado que esse Santa Marta foi terminado no dia que explodiu – e que marca a nova era - o primeiro tiroteio de dois, três dias em Botafogo, que foi a primeira disputa de gangues, do Cabeludo com o Zaca e outros caras. Então, isso pra mim foi um sintoma da mudança que está aí até hoje, e que naquela época eu já achava que ia continuar e não sei quando acaba, mas também não tenho mais a dizer sobre isso porque acho que vou te dar opinião e eu odeio dar opinião. Eu posso te falar o que eu acho da física atômica ou do destino do Brasil, mas questões gerais e opinião eu prefiro me abster. Porque isso eu falo nas mesas de bar com os amigos.



Críticos.com.br– Desde Cabra Marcado para Morrer a gente reconhece algumas características de estética, de mostrar deliberadamente a câmera, a equipe. Queria que você comentasse um pouco dessa sua opção estética em relação ao documentário.

EDUARDO COUTINHO – Até me criticam muito nisso, os americanos, então, que fazem documentário com câmera invisível, não suportam isso. Nasceu da necessidade de uma coisa que a televisão usava e usava mal, usava para efeito de escândalo, incorporar o momento presente, o momento da filmagem. Enfim, você faz as coisas por instinto e depois você começa e ler outras coisas e vai roubando dos outros para reforçar o que você acredita que instintivamente estava correto. Um documentarista chamado David MacDougall escreveu um livro chamado O Cinema Transcultural, que é interessante. Ele diz que a partir do momento que você quer filmar o real, mesmo o etnógrafo mais puro, que não quer inventar nada, e filma 15 horas o litoral, depois 12 horas a ressaca, mesmo assim ele não pode se iludir que está filmando o real. O que ele está filmando, apenas nesse caso extremo, é o encontro entre o mundo do cineasta ou da equipe e o mundo do outro. E geralmente é diferente, porque o mundo em geral tem sido o intelectual e o excluído, etc. Mesmo sendo o excluído sobre o excluído ou o intelectual sobre o intelectual, é o outro que tem uma câmera. Há um encontro contingente que tem um aqui e agora, que tem dois lados da câmera, dois mundos e que vão negociar e aí entra o cachê que pode ter ou não ter. Cachê é o lado mais duro desse troço, quer dizer, você encontra com um cara que, sem cachê ou com cachê, o que importa é que ele aceita falar com você e tem um certo prazer em falar com você, senão ele não fala. E senão não tem jogo e não tá no filme. Quando chegar na hora de conversar, pode ter a pesquisa ou não, a gente tá negociando todo o tempo uma coisa: desejos. Primeiro ele deseja falar, então vai falar, às vezes, chega na hora e ele nem fala, mas em geral fala e fala mais do que na pesquisa.



Críticos.com.br- A preocupação ética já te fez perder bons depoimentos e bons personagens?

EDUARDO COUTINHO – Claro. Eu não falo de questões duvidosas que depois você vai discutir se põe ou não põe, que são difíceis. São questões evidentes. Eu vi, outro dia, um documentário do Channel Four que passou no GNT, que para um documentário de televisão era bem razoável, chamado O Dinheiro e os Jovens . Sobre um cara que ficou milionário e daí tinha um estelionatário de 25 anos com a namorada dele do lado, sentado no sofá, e que conta para ele que ele era estelionatário e o tipo de truque que ele usa, as ilegalidades que ele faz, que ele ia passar as férias nas Bahamas ou na Ilha de Majorca, na Espanha. Então, o que é espantoso é que esse cara confessa isso e o filme segue. E a única questão que, para mim, é importante e que derruba todo o filme, é o seguinte: se você tá me dizendo isso, qual o teu interesse? Esse filme vai passar no Channel Four, a policia vai saber que você não mata ninguém, mas é estelionatário, e você interrompe sua carreira. Então, essa questão, mal perguntada, destruiu o filme para mim. Você pode dizer tanto isso do cara que vai se beneficiar e que está dizendo uma coisa só para se projetar, como também no cara que está se condenando. Então, a questão óbvia é essa: Por que você está me dizendo isso? E eu acho espantoso que isso não exista nos filmes. No caso desse filme, destruiu. Ali ele podia ter uma resposta para isso, ou não, mas não ter tematizado a necessidade da pessoa ter falado uma coisa que é contra o seu interesse...Mas enfim, essa negociação de desejos que acontece antes, durante e depois, porque depois também tem essa coisa, você pode dar cachê ou não, ou um abraço no cara. Eu acho que a vida é uma negociação em conflito. Nesse sentido é que eu acho que a câmera é a coisa mais crua e até vulgar disso, mas eu não preciso ter o equipamento, eu tenho a minha voz e basta. Tanto que nesse filme, no Edifício Master, a segunda câmera, ou a câmera, jamais aparece. Ela aparece nas entradas que, pra mim é importante não só porque revela o filme, mas também porque revela as condições. De repente o cara oferece um lanche, um outro vê o filho, tem um camelô lá longe. Tem uma coisa que acrescenta ao filme, porque se não tivesse não entrava, entende? É um pouco isso.



Críticos.com.br – No material de divulgação está escrito “personagens por ordem de entrada em cena”. Quando você liga a câmera na frente de uma pessoa, a pessoa imediatamente se torna personagem? Até que ponto isso é inevitável? Até que ponto isso é interessante? Até que ponto existe uma tentativa de desconstruir? Personagens representam ou falam a verdade? Ou existe uma combinação das duas coisas? Quando você está fazendo a pesquisa do filme, um dos critérios principais da seleção é ver personagens que rendem mais?

EDUARDO COUTINHO – Por ordem de entrada de cena eu adoro porque é teatro, peça de teatro é assim né? Aí, tanto o personagem quanto a entrada de cena têm o seguinte: não há como separar mentira de verdade. A definição mais extraordinária é, por acaso, essa da garota que fala que inventa mentiras tão bem, que acredita que é uma mentirosa verdadeira, e que no dia anterior ela mentiu pra não dar entrevista porque ela tinha medo, mas que nesse dia era verdade e que ela podia. Aí eu pergunto: “Você mentiu hoje?” E ela diz: “Não, aqui eu falei a verdade”. Isso daí é essencial e que mata essa concepção, que é uma concepção não só de público, tem até professor universitário que acredita nisso e que pergunta, “o documentário pretende a verdade?”, “O documentário é o real?”, que é absolutamente falso. O “documentário informa”, “documentário é documento”, “documentário é a verdade”, essa coisa maldita que a palavra “documentário” tem, e muitas vezes, no cinema, gente que adora o filme fala assim: “Como são verdadeiros...” Tudo bem, eu não posso castrar a opinião critica, mas como “verdadeiros”? Como são verdadeiros sendo falsos. Tem um livro chamado A Representação do Eu na Vida Cotidiana , de um sociólogo aí (Erving Goffman), o livro é até meio chato, mas é fascinante porque é um livro que mostra o seguinte. Você se comporta hoje comigo ou amanhã com o teu pai de forma diferente, você tem uma encenação, você não é igual sempre. O favelado não é igual diante do traficante, do pastor ou comigo no asfalto. Então essa coisa de teatro e real está inteiramente ligada, e o que eu quero é que eles produzam um belo retrato de si mesmos. Eu não quero, veja bem, a mitomania, isso é um outro filme que pode ser feito. O mitômano não me interessa, então, se o cara diz que ficou nu no Maracanã, se é mentira eu não vou botar. É um caso factual que não tem sentido, só se eu tenho uma justificativa. Se o cara me diz que trabalha no Banco do Brasil e tem nove filhos e eu verifico antes ou depois que ele não trabalha no Banco do Brasil e que ele é solteiro, não tem filho, ele não me interessa, salvo se eu colocar na categoria de mitômano. Agora no resto... Uma pessoa me diz que viveu aqui com um alemão durante 10 anos. Foi feliz? Foi muito feliz. Poderia ter sido com um argentino durante um ano. Não interessa.



Críticos.com.br– O Frank Sinatra se enquadra nisso?

EDUARDO COUTINHO - O Frank Sinatra, por exemplo, é impossível que o cara que conta isso esteja mentindo, entendeu? E se for mentira não tem o menor problema (risos), porque ele gostaria que tivesse sido assim e ele me conta tão bem e canta tão bem que isso me basta, então em geral me basta isso. O porteiro: é evidente que ele tem uma mitologia no negócio do filho lá e que ele tem medo de perguntar para mãe e saber. Mas é extraordinário. A partir de sentimentos, o que é? O sentimento é verdadeiro ou falso, a mentira tem isso, entende? A senhora que tem um namorado e tem 70 anos,a solidão entre quatro paredes. Que mentira! É verdade. Eu não vou investigar nunca, não tem pesquisa para isso. Mas o importante não é isso, entende? São emoções, sentimentos. A mulher que foi ao Japão, por acaso eu vi fotografias extraordinárias mostrando que ela esteve no Japão, mas eu não vou investigar esse tipo de coisa. Ela esteve no Japão de uma forma ou outra, entende? Em imaginação ou não.

E a questão da personagem. Você filma uma pessoa, ela vira personagem. Ela é uma pessoa, histórica, real e tal. Se eu filmo e o jogo me proporciona um personagem ele vai entrar no filme, ele passa a ser um personagem para mim. Enquanto pessoa histórica eu não preciso amar essa pessoa histórica porque eu nunca mais vou vê-la depois. Eu tenho que me preocupar é que eu não vá prejudicá-la, que é uma preocupação ética. Às vezes o personagem é maravilhoso, mas eu não posso usar na íntegra porque eu sei que ela poder ser prejudicada. Demitida do emprego, desmoralizada, etc e tal. Fora disso o que existe para mim é o personagem. E dessa pessoa que gerou um personagem e numa conversa de 40 minutos sobrou cinco, eu já estou fazendo uma interpretação, uma redução dos 40 minutos. Eu já estou construindo um retrato que é o melhor que ele tem na minha visão, dramaturgicamente, como pessoa humana ou como personagem, se quiser. A a autorização de filmagem eu faço porque a produção exige, mas eu trabalho sem essa perspectiva, essa coisa legal. Eu passo meses com essa pessoa, o que eu dou para esse personagem eu não dou para os meus filhos. Então eu espero que eu corresponda, que eu tenha sido leal de dar o melhor que ele me deu. É por isso que eu passo o filme para eles, e até agora, em centenas, eu não tive uma reação de uma pessoa que me dissesse: “Você me traiu, porque botou isso e tal”. Veja bem, por mais que você pense nisso, você está sempre numa corda bamba, de repente você pode provocar um suicídio sem querer, entendeu? Mas então, essa visão que eu tive hoje no prédio, que eu tive lá com a Daniela, que se expõe, sociofobia e tudo, foi ótimo porque eu queria saber a reação dela. Não é a reação dos camponeses, dos favelados. É das pessoas que eu filmei, é muito concreto, eu tenho que ser leal com quem eu filmei. A questão da classe social, isso é outra coisa. Eu tenho que partir dessas pessoas concretas. Se elas se sentem que não foram logradas, o resto é conseqüência, não importa. Gostou de se ver? Ela disse “gostei, eu tava muito mal naquele momento, perdi meu grande amor e tal, mas eu achei bom pra mim, vi que eu não tenho problema eu posso melhorar e tal”. Mas você nunca sabe. É uma corda bamba que você nunca sabe se vai gerar prejuízo para a pessoa histórica real. Veja bem, 1h50 com 27 personagens e mais trinta e poucos apartamentos... É um filme que não tem uma estrutura dramatúrgica de propósito, para que as pessoas agüentem até o fim. Tem que haver um mistério nisso, então o risco do filme era esse, entende? Documentário tem 1h20, 1h10, esse não tem, de propósito. A dramaturgia dele é tão anti-dramatúrgica, que os personagens são praticamente todos criados na hora de filmar.



Críticos.com.br– Por que essa opção?

EDUARDO COUTINHO – Isso foi uma conversa q eu tive com o João (Moreira) Salles (produtor do filme). Eu dizia a ele: “eu não sei se vai dar filme, porque a pesquisa...”. Eu estava na dúvida, não sabia se ia dar filme, porque não há personagens tão extraordinários ou porque eles não contam tão bem histórias comuns ou extraordinárias. Então eu vou ter que ter uma rede em que não é um personagem extraordinário que interessa. Por estarem no mesmo prédio, essa diversidade é que interessa, mesmo que um personagem seja mais fraco que o outro. Sabendo disso eu sabia que ia ter um filme longo. Ele era o produtor e falou que tudo bem. Ninguém vai ver documentário mesmo, não tem problema, a gente sabe que não se paga (risos). Quem se preocupa é quem faz ficção. Então disso eu estava livre. Aí a outra questão era como organizar. Conversando a gente dizia assim: a única forma de organizar é o caos. Então a gente até brincou um pouco, dizendo que tinha 27 personagens e se a gente colocasse eles nesse negócio de arranjo combinatório daria quatro octilhões de possibilidades (risos). Num DVD você pode mudar a ordem, etc., mas cinema não tem esse jogo, então você tem uma opção e a opção foi essa. Só para te dar um exemplo, a gente chegou numa versão da montagem em que o último personagem era o do Frank Sinatra. E que é uma coisa óbvia e eu coloquei só para provocar. E daí eventualmente amigos meus que viram me diziam que era o próprio final dramatúrgico, contrário ao meu tipo de trabalho, e é evidente que é. É uma chantagem emocional. Por exemplo, o Domingos Oliveira viu em Gramado e falou: “Gostei muito, só não gostei que não terminou com o Frank Sinatra”. Mas é por isso que não podia terminar com o Frank Sinatra. É claro que tem o impulso dramatúrgico, o mais forte fecha. Então ele era o penúltimo. Se ele fica em penúltimo também é um péssimo lugar, porque ele mata a pobre moça que vem depois. Então a gente pegou e jogou ele no meio do filme. O resto é totalmente a ordem. O que mudou: tinham três caras que cantavam em seqüência, ordem de filmagem é assim. Separamos dois daquele lá e tinham duas mulheres que tentavam o suicídio exatamente contíguas. Aí a agente separou um pouco mais. O resto é na ordem de filmagem. Mais ainda, o problema de fazer isso é evitar toda intenção dramatúrgica, então a gente queria evitar, além disso, que a vinheta dos prédios fosse colocada meio como uma coisa triste, meio uma alegre. O que é a dramaturgia tradicional? Ela é assim. Ficção também. Um personagem forte e um fraco. Vem uma pessoa que morre, tem aquela cena triste, aí abre a cena que é mais engraçada. Um cara fala 7 minutos e vem outro que fala só dois minutos. Um jovem e um velho. A gente eliminou esse tipo de coisa. A nossa idéia era a seguinte, que não ficasse mecânico nunca, e você nunca sabe quando o filme vai terminar porque não tem ordem dramatúrgica. O que era um risco. Você nunca sabe. A única concessão à dramaturgia, que eu acho que alguma você tem que fazer, é quando no final você tem as janelas. Eu acho que é muito importante a coisa de naquele momento você ver o prédio da frente. Você pode projetar que aquele prédio em frente, que dá para Avenida Atlântica e é maior, não é diferente desse prédio. Porque a tendência do público quando vai ver esse filme é rir demais - eu acho perfeito rir, mas nesse caso é um pouco para dizer: “Eles são eles, que vivem no inferno, e eu não sou. Eu moro na Barra”. E não é, não é basicamente diferente de ninguém. O negocio de ver e ser visto, que é essencial, que está nas janelas, ou, por exemplo, o quarto, a ordem, ela não é intencional, mas ao mesmo tempo tinha que entrar o quarto vazio, que são vários apartamentos vazios antes de começar a impregnar de vida. Aqueles apartamentos vazios que vão ser preenchidos por retalhos de vida que você vê depois. E os apartamentos vazios não importam de quem são. A única duvida que eu tenho no filme é que eu filmei objetos, bibelôs, em vários apartamentos e eu não ia usar os bibelôs, eu ia usar os quadros de paisagens, inclusive sem moldura, sabe? Tinha casas normandas, aquele treinador de futebol tinha uma casa tailandesa, paisagens, sabe aquelas paisagens? Ia ficar ótimo, sem dizer de quem era, ia entrar sem moldura, então era um troço surpreendente. Mas eu hesito. É dessas coisas indecidíveis que eu hesito. O João achava que dava um caráter muito kitsch, e eu não queria conotar que eles são kitsch, e eu não sou. Mas hoje eu digo que valia a pena arriscar o kitsch porque importava era dar um pouco a janela pro mundo e era uma dessas coisas que até hoje eu não sei se devia ter botado.



Críticos.com.br– Em todos os seus filmes acho que a sua escolha é a pessoa, a pessoa está sempre no centro de tudo e principalmente o seu respeito por essas pessoas todas, você deixa a pessoa falar e eu sinto que talvez nunca quanto agora esse teu filme vá na contramão de todo um desejo da mídia, que está cada vez mais ligada ao showbusiness e está cada vez mais importando ela dar a opinião dela e não importando em ouvir, ela falar e não ouvir ou ela glamourizar aquela pessoa que está sendo entrevistada ou está focalizando. Você acha isso também, quer dizer, que hoje em dia, você está bem mais na contramão do que se faz hoje em dia em termos de mídia, imprensa, entrevista?

EDUARDO COUTINHO – A primeira contramão que eu acho, pensando bem, é o seguinte. Quem é o mais miserável ser da terra? É o ser da classe média. Porque o pobre, o excluído, o que ele é para o cristão? É o sal da terra. O que é pro revolucionário? O proletário. Então para fazer um filme sobre favela eu tinha sempre esse lado, outra coisa é a maioria da população, o pobre. Nesse filme é a classe média, ninguém está interessado mais na classe média. É a mais impotente das categorias porque nem sequer ela pode ser o sal da terra, alguém disse que classe média vai ser o sal da terra? Eu falei para um fotógrafo de cinema que eu queria fazer um filme sobre um prédio em Copacabana de apartamento conjugado, ele falou: “Classe média????”, sem saber o quanto todos nós temos de classe média. Até que ponto isso é classe média, no sentido mais universal?Então, esse tipo de coisa que eu acho bacana. Para que serve esse filme? Para nada. E isso eu acho ótimo. Para nada, eu quero dizer, considerando os objetivos específicos. Hoje uma pessoa me perguntou para que eu fiz esse filme. Eu respondi: “Meu filho, algumas revelações sobre a vida e ponto final”. Você fazer documentário já é uma utopia absoluta, então por que faz? Isso eu acho bacana, entende? Porque de repente é uma gente mais desvalida que o pior proletário. Não é nem a classe média alta, é aquele cara que não tem atenção, ninguém está ligando. Aquele cara esquecido na eleição, sabe? E a segunda parte que você falou, hoje cada vez mais há essa coisa da invasão da privacidade, Big Brother, enfim, quando você vê as pessoas se despirem para o público, nessa necessidade absoluta de aparecer. Isso é fogo porque essas pessoas que você filma vivem nesse mundo também. Elas estão vendo Big Brother, então o que acontece? Se eu fosse um repórter de televisão, qualquer que fosse, eu não teria, eu mesmo não conseguiria fazer nada do que eu faço porque eu estaria contaminado na coisa de vender imagem, que vai ter amanhã no Fantástico, no Jô, estaria contaminado por isso e daí a vontade de aparecer e de viver é imperativa. O que acontece nos filmes que você faz é que as pessoas não sabem o que é esse filme. Você chega numa pessoa e diz: nós estamos fazendo um documentário sobre Copacabana e tal, daí você conversa com as pessoas. Documentário é uma palavra horrível em vários sentidos, e que é erudita. Quando estava passando Cabra Marcado Para Morrer, o gerente do cinema na Tijuca disse que estava passando um “comentário” (risos). Já vi duas ou três vezes isso. Então o que quer dizer documentário? Eu geralmente me lembro do cara que me perguntou e quando geralmente me perguntam eu digo que é uma reportagem, mas vai passar no cinema. Porque reportagem todo mundo entende. É uma palavra terrível, mas tem que usar porque o cara entende o que é. Então, documentário, você fala que é um documentário, que vai passar no cinema, não é a televisão. E que vai levar um ano para ficar pronto.... Você vai numa favela e diz isso onde tem 10 crianças que saem correndo para perguntar se vai passar hoje à noite. Nesse universo também tem isso, eles não sabem o que é isso. Passa um ano ou dois e ninguém, seja em favela, ou qualquer outra coisa, ninguém pegou um telefone - que é muito fácil descobrir o telefone da produtora - pra perguntar: “e aquele filme que vocês fizeram? Quando passa?” Então, o fato de não esperarem nada é que gera a possibilidade de serem escutados e não vistos e não tentar vender um troço. Mas de qualquer maneira o fato talvez de ser uma coisa que eles não sabem o que é permite que eles façam esse retrato extraordinário.



Críticos.com.br– De uma certa maneira, você sente que esse mundo da mídia, do showbusiness contaminou essas coisas... O João comentou que eles são muito plurais, mas se existe um ponto em comum, não em todos, mas em vários é um pouco esse lado assim do “eu quero falar, eu quero cantar e eu também já fui alguém famoso e eu sei falar várias línguas”, uma coisa um pouco do lado do exibicionismo. Isso sempre foi assim ou você acha que é mais do brasileiro?

EDUARDO COUTINHO – Não, uns são cantores de rock, outro gravou um disco, era uma coisa óbvia que ele cantasse aquilo que ele faz, são profissionais disso. E essa senhora Nadir, aliás, foi a que mais se beneficiou com o filme porque ela ganhou uma auto-estima tremenda porque cantando ela fez aquilo que foi recalcado a vida toda. Não, eu acho que nesse troço eu não sinto muito não, o que eu sinto é o seguinte: pelo conjunto de depoimentos dá para entender porque a telenovela nunca vai acabar. Porque o melodrama existe e vai continuar a durar. Porque, o q é o melodrama? Quando você vai fazer isso você tem um pouco de psicanalista, um pouco de padre, de confissão, mas tem esse outro lado que justamente você tem que ter o cuidado de não gerar o lado do Ratinho ou do Big Brother. O que é o melodrama? É o drama do reconhecimento. No último ato a mamãe Dolores descobre que não é mãe, o cara descobre que não é irmão da mulher que ele gosta, então esse troço que tem no filme são dois. Aquela poetisa não entrou no filme, mas ela também tem um drama de pai, pois os irmãos são quase negros e o pai, daí ela acha que é filha de outra pessoa e tem suspeitas de quem seja. Essa coisa que eu chamo drama familiar, seja por briga, principalmente de filha e pai, é um negócio poderosíssimo, e é isso que alimenta e mostra como a telenovela tem força e por sua vez tem um feedback para cima deles, de viver esse universo do drama familiar que é o melodrama, entende? E que está na vida privada, porque novela é vida privada. Isso é muito forte e eu acho que é a coisa mais forte que deu para notar. Eu acho que se pode dizer que o filme tem um pouco de revolucionário, de analista e essa coisa de melodrama que é muito antigo e que está alimentado por esse tipo de vida, de quanto mais solitária e privada mais forte isso, e que recebe de volta da televisão, entende? Acho que essa coisa da novela tem uma força tremenda no imaginário deles. Agora quando você fala em se exibir, não. A única coisa que o homem sabe é que nasce, vive e morre. Finitude. Isso quem fala é o (Pierre) Bordieu. Daí ele diz o seguinte: o sentimento mais poderoso, o impulso mais poderoso do homem é ser reconhecido. Esse é que é o problema de ser escutado. Ser reconhecido é ser reconhecido como alguém, embora banal, singular de alguma forma. Pelo que fez. Um cara bobo de repente ele apela para ser reconhecido, porque um funcionário ou um gerente diz para ele que ele é um bom funcionário. O espantoso é que é tão irrisório, isso é que é maravilhoso, entende? Então essa coisa é que eu acho fascinante, você se colocar em disponibilidade é que faz com que o outro seja reconhecido. Como? Você ficar no vazio ao máximo - tudo o que eu estou falando são objetivos inalcançáveis, mas você tenta. Ficar vazio ao máximo e atento ao mesmo tempo, porque você, às vezes, tem que perguntar porque as coisas não estão claras, porque as coisas se desviam. E vazio e atento ao mesmo tempo é difícil. E segundo, porque o cara não será julgado e que ele será compreendido, isto é, o teu esforço inalcançável é se colocar no lugar do outro para entender de que lugar o outro está falando. Um exemplo, embora seja um fragmento, quando a Maria Pia, empregada doméstica que trabalha desde os 12 anos, tem nela a ética, uma ética de trabalho fortíssima, você pode entender ou sugerir porque ela diz aquelas coisas - que brasileiro é preguiçoso, e etc. Então, esse é que é o esforço. Eu chamo isso de exercício espiritual, isso não tem nada a ver com técnica. E você tem que abdicar de toda noção de ser artista, da tua imaginação e trabalhar com a imaginação do outro. Esse é que é o problema. É uma corrente que vai e vem, que sai, aí é o jogo, o teatro. Aí há um bom teatro e um mau teatro. Esse troço é central e a partir desse negócio que você sabe que nasce e morre. Qualquer pessoa, pobre coitado, classe média, intelectual, mendigo, não importa, ele tem um espaço. Ele nasceu, não sabe porque nasceu, mas nesse período que ele não sabe quanto vai durar ele é tristemente livre ou não para tentar construir sua vida. Eu estou interessado no que existe, o que existe é isso, uma pessoa que está ali naquele momento, não antes nem depois, que tem esse espaço de tempo para cumprir, no fundo para dar sentido a vida. As pessoas contam essa coisa, as pessoas querem dar sentido a sua vida, para isso que existe a religião. Então você dá sentido à vida com religião, com política, o que for. Não estou discutindo qual é melhor nem pior, estou discutindo se é isso que me interessa. E eu dou sentido à minha vida fazendo esses filmes porque fora disso não tenho nada o que fazer.



Críticos.com.br– Um depoimento que eu achei bem curioso é o daquela senhora que conta como a vida no prédio era antes do atual síndico, conta às gargalhadas, que vinha a polícia e tal. De repente, ao lembrar que depois tudo ficou organizado, ela fica séria, quase triste. O sentimento que eu tive foi de que o filme reflete um pouco o caráter nacional, essa relação ambígua com a ordem e com o caos...

EDUARDO COUTINHO – Exatamente...Perfeito...



Críticos.com.br- Foi uma intenção sua?

EDUARDO COUTINHO – Não, veja bem, quando eu cheguei nela eu sabia que ela era uma pessoa risonha, ela tinha na pesquisa dado um riso falando sobre o passado, quando eu cheguei e perguntei, ela reproduziu, só que com muito mais brilho. Isso que você está dizendo é exato e aí é que há o problema de leitura. Numa exibição na Casa Rui Barbosa, uma pessoa falou, e aí já tem um pouco a leitura que pode ser ideológica, se ela dizendo aquilo não queria dizer que antigamente, na bagunça, o prédio era comunidade, e agora com a ordem não é comunidade, achando que era uma espécie de crítica à visão do César Maia. Isso é uma visão exagerada, ele nunca foi comunidade, nem antes nem depois. Agora, é fascinante o seguinte: que na desordem ela tinha um prazer que a ordem corta e isso é uma dialética complicada, isso é uma complicação para lidar, e é perfeito como leitura. Em toda bagunça terrível tinha momentos que ela vivia a vida com mais plenitude. Ao mesmo tempo pagava um preço, porque de dia roubavam a casa, etc. E na ordem tem essa coisa. Lidar com isso é essencial.



Críticos.com.br– Você acha que aquilo que salva os personagens, os brasileiros, é essa capacidade de ser alegre no caos, não é? Porque é uma condição de vida quase sub-humana.

EDUARDO COUTINHO – Pois é, mas é perigoso aquela coisa do estrangeiro, esse folclore do país mais feliz do mundo, somos pobres e felizes. Eu acho que o mito é que é terrível sabe? Meio Darcy Ribeiro, sabe, essa coisa ufanista que está voltando agora e que não é bem por aí. Eu acho que é uma contradição que o Brasil tem que superar, essa coisa do país que tem o jeitinho, que tem o lado positivo e tal... E a questão da igualdade? É uma coisa que não se superou no Brasil. Aquela coisa hierárquica, que Roberto da Matta falava muito, de hierarquia absoluta e tal. Quer dizer, é um país hierárquico que não consegue lidar com a igualdade. Vai ter que lidar um dia, pô! Porque senão vai ser o seguinte: o Brasil é maravilhoso e é o horror social que é hoje. Então você ficar nessa exaltação do Brasil... o problema é que tem os dois pólos e é por isso que é difícil de tratar.



Críticos.com.br– A ficção não te interessa mais? Você foi roteirista de A Falecida e chegou a dirigir alguns filmes de ficção no início da tua carreira. Hoje você descarta totalmente uma volta?

EDUARDO COUTINHO – Descarto inteiramente por vários motivos. Eu larguei o cinema em 70 para fazer ficção, daí eu fui trabalhar em jornalismo, fui para o Globo Repórter, fiquei nove anos e comecei a lidar com documentário lá. Por obra do acaso eu acabei fazendo vestibular para o Cabra Marcado para Morrer na TV Globo, para você ver como as coisas são. E daí fui fazer o Cabra com elementos do cinema e da televisão incorporados. Se não fosse o Cabra eu não voltaria pro cinema. O fato é que eu senti que o que é profundamente irritante na ficção é que pra trabalhar você precisa de cenografia, ator, e daí você não tem. Eu me lembro que eu ia fazer um filme, o Chico Anísio ia fazer nove papéis. No primeiro dia, a maquiagem, que tinha que vir dos Estados Unidos não veio, parecia coisa de palhaço de circo, entende? O último filme de ficção que eu fiz teve greve no primeiro dia de filmagem, um caso inédito no mundo (risos). Porque era uma equipe que ia fazer quatro filmes no Nordeste e eu entrei no segundo. No primeiro dia de filmagem já se devia um mês de filmagem, por isso teve greve no 1º, 2º e 5º dias de filmagem, enchi o saco. No documentário o que me agrada é uma coisa que eu digo sempre: um filme em que eu preciso de mais de duas vans não serve, elimina (risos). Produção de documentário para mim é uma coisa muito simples porque eu não quero que produza nada, eu não preciso de produção. Eu tinha que marcar com as pessoas e ir lá. Às vezes tem que ter um vídeo para passar um troço, bobagens desse tipo, então eu não dependo de produção e odeio quando tem que produzir alguma coisa. Isso me dá uma liberdade extraordinária porque são filmes baratos, que você pode filmar em menos tempo – tudo bem que o acabamento é longo para burro, mas enfim... Um francês dizia que documentário é diferente de ficção porque você precisa conseguir a cumplicidade do grupo que você filma. Isso é maravilhoso, entende? E o digital permite que essas pessoas façam exercício desse tipo, comecem filmando e depois vão buscar dinheiro. Porque a primeira coisa que você tem que conseguir é a cumplicidade do grupo ou da pessoa que você filma. E que seja suficientemente teatral ou realista e tenha todo esse jogo de exibicionismo e tal, e que seja interessante. Essa é que é a questão do documentário, se você trabalha com gente viva - porque você pode fazer filme sobre arquivo, sobre a história de Rui Barbosa, mas isso não me interessa. A outra coisa é que com documentário eu não preciso escrever mais. Eu não quero mais saber de escrever roteiro. Eu nunca escrevo em documentário, eu tenho um caderninho e anoto coisas. Ter que fazer uma sinopse para mim é um horror.



Críticos.com.br– E quando você faz a pesquisa e descobre os personagens? Como é que você tem a garantia de que o que eles falaram na pesquisa vai ser reproduzido na hora em que a câmera estiver ligada?

EDUARDO COUTINHO – A pesquisa geralmente não é usável, é filmada sem preocupação técnica. Eu quero ainda fazer um filme que não tenha pesquisa nenhuma, fazer um filme que a pesquisa seja o filme. Mas aí tem o problema do dinheiro, porque eu tenho que lidar com uma equipe meio não profissional e daí são três meses, sei lá. Então a pesquisa tem o lado irritante e ao mesmo tempo indispensável para economia do filme. Para ter uma noção do que você vai encontrar. Na pesquisa tem coisas que acontecem maravilhosamente e na filmagem não acontece. Na maioria dos casos dá para conseguir na filmagem mais do que na pesquisa. Pelo fato que eu te falei, quando você chega com sete pessoas ao invés de duas, a pessoa já sente que hoje é jogo, não é treino.



Críticos.com.br– Mas talvez não traga uma inibição maior?

EDUARDO COUTINHO – Não, pelo seguinte: o que é essencial é que eu não conheço a pessoa, então a equipe vai lá, a pesquisa é importante para conversar com o personagem, pra saber extrair algumas coisas importantes, o melhor dela. Não é tanto tempo, filma de 10 a 15 minutos. O mais essencial da pesquisa é que dá o aval, e quando essa pesquisadora volta comigo na filmagem a pessoa conhece a pesquisadora, já sabe que é uma pessoa do bem, e por tabela eu seria uma pessoa do bem. Essa é a primeira coisa. A segunda coisa é que como ela falou uma coisa na pesquisa para o pesquisador, ela absolutamente não relaciona que eu tenha visto a pesquisa, então ela vai dizer para mim essa coisa pela primeira vez. Quando eu filmava em outros lugares eu via muito, no Globo Repórter, por exemplo, que tem gente que fala assim em televisão. Conversa com a pessoa e depois faz a entrevista e pega o melhor dela e, às vezes, o cara nem entende porque tem que repetir. Filmando ou não filmando tem que repetir, uma coisa absurda. Quando ele diz para mim ele diz pela primeira vez, isso é a possibilidade de que, um ano depois o espectador sinta que aquela coisa foi dita pela primeira vez. Isso daí é um risco, mas é uma verdade, eu preciso acreditar nisso. De forma que quando ele fala para mim aquilo, não só é a primeira vez que ele me diz. Sempre tem a surpresa, porque ele nunca vai dizer igual à pesquisa. E mais que isso, eu tenho que ter a sensação, que pode ser falsa, não importa, de que o que ele falar ali é irrepetível, que ele nunca disse aquilo e nunca vai dizer de novo.



Críticos.com.br– Você falou que tem esse lado entrevistador, enfim, de psicanalista. Quando você passa de novo o filme para essas pessoas que você entrevistou, elas fazem uma auto-reflexão? É por isso que você passa o filme para elas?

EDUARDO COUTINHO – Não. Eu faço isso por uma questão ética. No caso de Santo Forte, eu convidei todos. A gente convida três, quatro vezes. Por exemplo, a Carla, que se expunha lá, dizia que apanhava do Santo e tal, ela foi ver com a mãe e não tinha queixas, entende? O Braulino, que é um negro que canta no Santo Forte, viu 200 sessões, se levantava e ficava na sala de espera para ser cumprimentado (risos). É o negócio do ego. Então tem reações desse tipo.



Críticos.com.br– No final a pessoas não comentam, não fazem um debate?

EDUARDO COUTINHO – Não têm o menor interesse em fazer, porque não muda nada, o filme documentário não muda a vida das pessoas. O que eu tento fazer é com que não mude para pior. Para melhor é difícil...seria esse caso do prédio, de fazer uma antropóloga, socióloga, ver e falar o que pode mudar na vida do prédio. Até hoje nada mudou no sentido negativo. Quando o filme estrear pode mudar alguma coisa.



Críticos.com.br– Mesmo aparecendo no Fantástico?

EDUARDO COUTINHO – Não, isso deixou o síndico furioso, porque é claro que o Fantástico pegou as coisas mais escandalosas. Eu não gostei, mas isso é televisão e ela vai naquilo mesmo. Mas então eu não sei o quanto muda a vida da pessoa e tal.



Críticos.com.br– O modo como as pessoas dizem as coisas é mais importante do que o que elas estão dizendo propriamente?

EDUARDO COUTINHO – É tão ou mais importante.



Críticos.com.br- Como é que correm esses dois textos?

EDUARDO COUTINHO – Eu vou te dar um exemplo. Vocês viram Babilônia 2000? Tem uma pessoa chamada Cida. Ela ajudou a fazer vários filmes lá, como O Primeiro Dia, e ela tem todo um troço de falar gírias, então ela tem todo um discurso empostado. Isso eu não queria. E eu sabia que ela podia ser forte, mas tinha que sair desse discurso pronto. Ela falou 20 minutos, tudo empostado. Um discurso pronto como se fosse para televisão. Daí eu deixei para o final a história do filho. E aí é extraordinário, porque ela lembra do filho e o discurso pronto acaba. Lembra do filho e do irmão que morreu assassinado pela polícia, chora e tudo bem. Quando acaba de chorar, imediatamente ela limpa os olhos e fala: “Eu não queria terminar assim”. Entendeu? O negócio do teatral e o verdadeiro, maravilhoso!. E daí ela engrena um discurso que é seu desejo mesmo, que ela desenvolve o seguinte tema, que não é o mais importante, que no fundo do buraco de tudo é escola e família. Isso ela disse antes e várias vezes depois do filme pronto, quando ia dar entrevista para a televisão, ela repetia isso como um discurso pronto. Eu não tenho o menor interesse, mas naquele momento, ela disse aquilo com tal riqueza vocabular e sintática, que é um exemplo perfeito de como essa veemência, essa força com as palavras que ela diz não era um discurso pronto como o que ela tinha antes ou depois.



Críticos.com.br– Você tem uma pauta de perguntas mais ou menos com temas iguais?

EDUARDO COUTINHO – Não. A pesquisa me fornece informações tipo “essa pessoa conheceu o Frank Sinatra”. E eu tento não precisar dizer: “Você conheceu o Frank Sinatra?”, o que prova que eu tive um contato com a pesquisa. Eu tento evitar isso, daí eu perguntei pra ele: Qual foi a emoção da sua vida?”. Aí ele falou um outro troço (risos). Daí eu fui obrigado a falar: “Você conheceu o Frank Sinatra?” (risos). Mas então é terrível a pesquisa porque às vezes você faz o troço e não resulta, daí você é obrigado a dizer: “você não falou...?” Aí gera um troço complicado.



Críticos.com.br– O pesquisador não tem uma pauta?

EDUARDO COUTINHO – Ah, eu não tenho condição de dar pauta pra ninguém. Tirando o 31 de dezembro de Babilônia, que tinha um eixo, o resto eu digo o seguinte: fale da vida, o que é a vida pela essência, amor, sexo, dinheiro, saúde, morte, o que é religião e acabou. O que é a vida? É isso.



Críticos.com.br– Na década de 70 você foi nosso colega, escreveu crítica de cinema no JB, no Caderno B. Quais lembranças você tem disso, e o que você acha do exercício da crítica hoje em relação àquela época?

EDUARDO COUTINHO – Olha eu fui crítico amador apenas durante 4 ou 5 meses para cobrir umas férias do Eli Azeredo. Foi engraçado porque, de um lado, jamais me pagaram para ser crítico no jornal (risos), mas até aí tudo bem. Eu sofria muito porque eu tinha feito cinema e passei a ser crítico. Por conta disso, eu exigi que não falasse de filme brasileiro, mas de qualquer maneira eu ia ver filme, tentava chegar no fim para tirar a emoção da história e via duas vezes. Quando eu sentia que era um trabalho extraordinário, ficava difícil encontrar as palavras...então eu nunca fiquei satisfeito. Por outros motivos, por ter sido a vidraça que leva a pedra e depois ter que ser pedra. Isso é um percurso individual onde eu me sentia mal. Enfim, fora isso eu acho que todo mundo sabe como está a crítica hoje, que não tem espaço. Eu só te digo uma coisa: a crítica tem sido muito generosa com esses filmes que eu fiz de Santo Forte para cá. Agora, os elogios, às vezes, são até comprometedores.



Críticos.com.br- Como assim?

EDUARDO COUTINHO - O cara faz um elogio que te deixa pensando “pô, então eu errei o filme”. É um equívoco, entende? Eu lembro um cara que falou do Boca de Lixo e comparou com um filme sobre a fome na África. Ele ficou num humanismo tão piegas que eu falei, porra... não é o problema de ser positivo, mas já houve críticas que me fizeram pensar sobre o porque eu estou fazendo aquilo e até me explicitam coisas que eu não tinha na cabeça antes. Quando isso acontece pra mim é maravilhoso.



Críticos.com.br– Que lições você tirou do filme? Você saiu modificado?

EDUARDO COUTINHO – Eu não mudo mais, eu não tenho mais tempo para mudar não. Eu só posso dizer o seguinte: eu filmei 4 filmes em 5 anos. Documentários do mesmo tipo, é o mesmo filme, mas ao mesmo tempo não é o mesmo filme. Em nenhum deles a coisa emocional foi tão forte como no Master. Por razões mais ou menos compreensíveis. Eu não estava lidando exatamente com o outro que estava na miséria e no tiro, entende? Que é uma coisa mais difícil por ser distante de você. Lá não, lá tem escassez e não miséria e a violência é muito mais simbólica. Então eu acho que você lida com a substância da vida mesmo, dos velhos, moços. Cinco ou seis pessoas por dia, tocar a campainha, eu não conheço a pessoa e ela me entrega coisas intensas, tanto na alegria como na dor. No fim do dia, nunca uma coisa foi de tal exaustão e tão emocional, e isso é o que eu senti. O meu problema era se um ano depois eu ia passar para o público, entende? Agora, se modificou? Não, acho que não. Eu separo a minha vida do filme. Isso pode me influenciar para outros filmes sim, mas para minha vida, eu não tenho mais nada para mudar. Aliás, a minha vida é secundária nesse troço. Eu faço filmes para tentar agüentar viver, é um pouco por aí. Não tenho mais o que mudar, mas talvez me mude no modo de fazer filme. Mas no momento foi extremamente intenso, isto é, foi uma coisa muito dolorida e muito alegre, portanto, foi enormemente prazerosa. E a vida é isso não é? Quando é intenso é doloroso e alegre. Então foi muito forte.



Críticos.com.br– No cartaz do filme tem uma coisa assim: “Edifício Master, um filme de pessoas como eu e você”. E o que me chamou atenção quando eu fui ver é que pelo menos os dez primeiros entrevistados, num recorte, é tão impressionante o que eles estão dizendo que parece que eles foram contratados, no sentido de que é maravilhoso o depoimento deles. E parte da crítica falou isso, um cara de São Paulo falou que você é tão único, tão pessoal que você já virou um mestre e que ninguém consegue entrevistar tão bem quanto você.

EDUARDO COUTINHO – Palavra “mestre” é terrível. Porque se eu quisesse um elogio, que ele me chamasse de inventor, né? É desagradável porque mestre dá uma idéia, tem que ter discípulos, isso é intolerável, tanto que amigos meus brincam dizendo que isso é uma seita. E acho normal, é evidente que vão surgir pessoas que têm que diluir esse troço, entende?



Críticos.com.br– Mas você não acha que tem discípulos?

EDUARDO COUTINHO – Eu não me preocupo se eu tenho discípulos, eu não dou aula.



Críticos.com.br– E seus mestres de cinema, quem foram?

EDUARDO COUTINHO – Isso eu não sei dizer, mestre eu não sei dizer, mas eu adoro mil cineastas. Um dos documentários que mais me impressionaram é um filme chamado Shoah, que é um filme de 9 horas, de um cara chamado Claude Lanzman, que nem é um grande diretor. É um filme absolutamente extraordinário, que me deu força no que eu já pensava. É um filme sobre o Holocausto, é o melhor disparado, independente das nove horas, que é extraordinário por causa da força da palavra. Eu li um artigo outro dia do Derrida que, falando sobre Shoah, tratava do problema da palavra incorporada. Shoah é um filme sobre a História, o Holocausto, e que não tem uma imagem de arquivo sequer. E é muito melhor que todas as imagens de arquivo que já não querem dizer mais nada. Outro cineasta foi o (Jean-Marie) Straub, que fez um filme, A Morte de Empédocles e fez outro, Gente da Sicília, que passou aqui e quase ninguém viu, que é extraordinário. Porque eu acho Straub maravilhoso? Porque ele é um ficcionista, ele fez pouquíssimos documentários. Ele é absolutamente fascinado pelo som direto. Então ele, por exemplo, vai filmar no Etna A Morte de Empédocles, e fica um mês procurando o lugar estudando o vento e o som direto, e bota os atores fazendo a peça clássica naquele local, com aquelas coisas. E o filme é todo falado, no entanto, a imagem é extraordinária e é cinema para cacete, entende? Então esse troço é uma lição pra mim. E ele também odeia o som off. Quando você vai para off a voz desencarna, que é um negócio que eu odeio em função disso, entende? De repente o cara fala e você não tem o corpo, a boca, os olhos, e tal de quem fala. As pessoas jovens gostam muito desses filmes que eu faço, as pessoas da geração intermediária, de 50 pra cima devem achar insuportável o que eu faço. Eles devem dizer “esses filmes não são nada, só tem gente falando, feito em vídeo, isso é um logro...”. São pessoas que realmente envelheceram. Um cara jovem é que podia não gostar desse filme. No entanto, eu tenho uma resposta do estudante, não só de cinema ou de comunicação, mas de qualquer coisa, passa uma coisa para eles que eu acho fantástica, ainda mais considerando que eu tenho 69 anos eles devem ter 20, 29, sei lá.



Críticos.com.br– Que tamanho de universo você pegou ali no edifício? Quantas pessoas você entrevistou para tirar 27?

EDUARDO COUTINHO – Na pesquisa foram feitas, sei lá, umas 70 pessoas, foram escolhidas 37 e eliminadas 10, por motivos dos mais variados. Eu não digo o nome da pessoa para não chatear, mas tinha uma pessoa lá que tinha sido modelo, tinha sido meio bailarina e tal, e ficou o tempo todo falando que conhecia o Jaime Lerner, ela ficou vendendo troço para a televisão e aí é penoso, porque eu fui lá e com 5 minutos entendi que nada ia resultar daquilo. Eu não posso falar “até logo, eu vou embora, não deu”. Eu fiquei os 15 minutos, mas inevitavelmente a pessoa sente. Aí você sai arrasado também. Mas, enfim, outros não foram porque você jogou mal o jogo, porque você também joga mal. Alguns você chega lá de câmera na mão e achava que podia fazer rapidamente e não, precisava de mais tempo, enfim.



Críticos.com.br– Então, basicamente documentário é paciência.

EDUARDO COUTINHO – Paciência, mas de outro lado essa coisa de concentração espacial é essencial para mim. E também a temporal me ajuda porque me dá urgência. Se tiver um mês para filmar, a coisa começa a ficar mole. Então eu tinha uma semana de filmagem, porque no orçamento era um prazo mais ou menos adequado para fazer. Claro que eu podia pedir um dia a mais, mas eu me esforço em não voltar. Porque isso me dá uma urgência de que eu tenho que sair daqui com o filme. E a coisa espacial é essencial, por isso que eu não sei que filme eu vou fazer agora. Parece que os espaços acabaram... Prisão é complicado filmar, porque têm sido feitos muitos filmes sobre prisão e tem o problema de como você pode filmar um preso. Hospício você não pode filmar, como é que o cara vai me autorizar, eticamente é impossível. O que eu vou filmar agora? Filmar instituição? Você não filma exército, delegacia. Eu não sei o que fazer. Documentário, para mim - claro que é só pra mim -, é cavar. Se eu tenho isso daqui eu posso cavar, se eu tenho uma área grande eu não vou cavar.



Críticos.com.br– Você citou como exemplo o hospício, a prisão. Só te interessa dar voz a quem não tem voz? Você poderia fazer numa escola, por exemplo.

EDUARDO COUTINHO – A escola é um universo possível, a praia é muito grande. Na favela, espacialmente, você sabe perfeitamente onde começa o asfalto. O problema de dar a voz eu acho perigoso, eu não dou voz a ninguém, parece uma coisa autoritária. Eu concedo a voz ao outro e por sua vez sou dono e dou ou não a voz. Outra coisa que me diferencia de outras pessoas que fazem documentário é que eu faço filme não sobre os outros, mas com os outros. Então eu tenho um filme sobre um prédio, mas é um filme feito com moradores do prédio. Sabendo que o que eles me dão eu construo depois. Eu não tenho nenhuma ilusão democrática do filme. Mas ou eu faço com eles ou eu não tenho um filme. Fazendo com eles eu faço da voz deles a minha voz e espero que quando o filme estiver pronto da minha voz faça a deles. Quando eles aceitam, eu entrego uma interpretação minha da voz deles. Se eles incorporam e aceitam aquilo é um jogo de cumplicidade e de troca. Então não é eu dar a voz. Porque eles estão me dando voz também. Porque na verdade se eu estou filmando o outro é porque eu não me conheço e eu preciso conhecer o outro para me ver. Cinema é a minha forma de viver porque é a forma que eu tenho de me relacionar com o outro. Tem outras formas mais sadias também, mas a minha é o cinema.



Críticos.com.br– Você falou desse compromisso interno seu de não julgar o outro. Isso implica numa “pretensão” de fazer filmes imparciais?

EDUARDO COUTINHO – Não. Os filmes são, ou espero que sejam, inteiramente subjetivos. Eu acho que se um documentário não é subjetivo ele não é nada. Você pode ser objetivo num documentário de televisão, jornal, mas mesmo no jornalístico a sério, como ser objetivo? O drama da televisão do politicamente correto são dois. Primeiro você tem que ouvir os dois lados. Segunda questão terrível, que isso americano faz muito e que é terrível, é a questão do politicamente correto. O politicamente correto tem aspectos formidáveis, como dar poder às minorias, que é maravilhoso. De outro lado, o que gera em todo estabelecimento americano cultural é o seguinte: só lésbica pode filmar lésbica, só negro pode filmar negro, só cigano pode filmar cigano, o que é uma morte. Eu sei disso porque às vezes você manda projeto para lá e tem dificuldades para aprová-los. Eu mandei um projeto, acho que o Babilônia, sei lá, para a Fundação George Soros, que financia documentários quanto mais políticos melhor. Eu teria ganho mais fácil, com certeza, se eu fosse negra, excepcional, e tivesse feito o filme sobre esse universo fechado (risos). Então, digamos, se eu propusesse um filme sobre as mulheres, é legítimo, eu espero que elas façam sobre nós, às vezes exige que tenha na equipe e tal. Então é a caricatura do momento. O favelado poder fazer um filme eu acho maravilhoso, mas mais maravilhoso ainda seria se o favelado fizesse sobre o cara do asfalto. Eu adoraria um filme sobre cineastas velhos feito por camponeses. Senão é o mais do mesmo. Então quando eu falo que filmo, não é por ser excluído. É porque a minha possibilidade de filmagem é ser diferente. Não só pela distância da câmera, essa diferença é que torna possível uma relativa igualdade na hora da filmagem. Você tem que dar uma relativa igualdade sem culpa, a primeira coisa é não ter culpa filmando. Vivendo eu tô cheio, mas filmando eu não tenho culpa. Fica aquela coisa do pobre, coitadinho que é insuportável, entende? Ou o pobre é o coitadinho, a vítima, ou então é o herói, é o brasileiro, aquele negócio da cultura brasileira, o brasileiro, lúdico e tal. Eu acho que é terrível. Você tem que dizer “eu sou diferente de você e quero conhecer o teu mundo”. É outra coisa entende? Me convidaram para fazer um filme sobre uma pessoa que eu conheço e que morreu. Eu falei que não faço, é muito próximo de mim. Não farei, porque eu vou sofrer demais, e porque eu não tenho a distância para fazer.



Críticos.com.br– A distância é importante?

EDUARDO COUTINHO – É. A distância é importante. Eu jamais faria um filme sobre cineastas.



Críticos.com.br– Sobre esse distanciamento, como é que foi filmar esse material sobre o Lula?

EDUARDO COUTINHO – O João Moreira Salles fez a campanha do Lula. Eu mal vi o Lula, só vi o Lula para pedir autorização para filmar e escolher que tipo de filme ia ser. Havia duas propostas, uma era fazer Lula e Serra, a outra Lula e São Bernardo. E daí ele escolheu a segunda com muita sapiência e disse: “A campanha histórica é a minha não é a do outro. E eu só existo porque existe São Bernardo”. Ele topou e a partir disso houve uma divisão de trabalho. A minha idéia era São Bernardo e ele sabia que eu me sinto melhor trabalhando com o anônimo. O João fez a campanha, e eu tenho muita inveja, porque ele filmou na campanha coisas espantosas do ponto de vista de coisas que ninguém filmou, do processo eleitoral, da personalidade do Lula, o Lula cantando, Lula descalço, enfim, coisas espantosas. E eu filmei o mesmo filme que eu faço sempre. Então eu aprendi pouco, porque é o mesmo filme.



Críticos.com.br– E vão ser dois ou um?

EDUARDO COUTINHO – Vão ser dois porque o filme dele tem coisas espantosas, certamente vai ser um longa, e junta 1h30 com 1h30 do meu e dá 3h. A idéia é lançar junto. Os filmes estarão ligados por estarem sendo lançados juntos, mas podem ser vistos separados. Muita mais gente vai ver a campanha e o outro pode complementar. E no filme que eu estou fazendo, talvez seja possível que o Lula apareça uma vez, mas não esse Lula de hoje, que já está no outro filme. Então de repente no meu filme pode ter o seguinte: entra o letreiro e diz que Luis Inácio Lula da Silva foi eleito no dia 27 de outubro com tantos votos. E se não vir outro filme, o processo eleitoral não é importante. E esse filme é complicado porque não tem essa coisa espacial. É o ABC, mas o ABC é grande demais. Então é muito complicado e ao mesmo tempo as pessoas cantam também e falam da vida, é mais um filme sobre a migração operária. E a greve entra como uma passagem. O Lula é um mito né? Porque ele é falado e não aparece. Foram 30 dias de filmagem, fiquei 50 dias em São Bernardo e foi meio penoso nesse sentido. Era muito vasto o campo, entende? E outra coisa: você é obrigado a usar arquivo, é claro. Então esse negócio do presente absoluto vai ser menos intenso.



Críticos.com.br– Você é paulista, não é? Ou você já se sente carioca?

EDUARDO COUTINHO – Eu sou auto exilado, também não me sinto carioca, me sinto apátrida.



Entrevista realizada no dia 7 de novembro de 2002, no escritório da Videofilmes, no Rio de Janeiro. Transcrição de fita: Ivna Perera. Publicada originalmente em 25.11.2002. Foto: divulgação

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