Críticas


MICHAEL HANEKE – PROFISSÃO: DIRETOR

De: YVES MONTMAYEUR
Com: MICHAEL HANEKE, ISABELLE HUPPERT, JULIETTE BINOCHE
17.07.2020
Por Luiz Baez
Quando um cineasta faz justiça a outro

Dentre os primeiros documentários sobre Michael Haneke, apenas um tentara abranger a totalidade de sua carreira cinematográfica. A empreitada de Gero e Felix von Boehm encontrou dois obstáculos. O primeiro, mais óbvio, trata das dificuldades de condensar duas décadas em menos de uma hora. Mais forte que essa limitação temporal, na verdade, a própria natureza do projeto afastava o interesse de quem buscava aprofundar-se na obra do realizador austríaco. Malgrado o seu caráter aglutinador, Michael Haneke: Mein Leben (2009) despertava nestes apenas um interesse biográfico - constituindo, portanto, o seu teor jornalístico um segundo empecilho para se adentrar no universo de um artista cuja criação contraria a busca midiática por um controle do discurso. 

Nesse sentido, quando se propôs a filmar Haneke pela primeira vez, Yves Montmayeur centrou-se na questão específica do uso de planos-sequência e no contexto situado dos bastidores de Código desconhecido (Code inconnu, 2000). Esse material, capturado para o curta-metragem Filming Haneke (2000), reaproveitou-se treze anos e duas Palmas de Ouro mais tarde, no documentário Michael Haneke - Profissão: Diretor (Michael H. Profession: Director, 2013). Dispondo da duração de um longa-metragem e de uma vasta gama de materiais de arquivo, talvez se estabelecessem as condições para um olhar retrospectivo sobre essa rica trajetória cinematográfica. Faltaria, ainda assim, uma linguagem que sintetizasse todo o acervo. É neste ponto que se destaca a direção de Montmayeur. 

A primeira sequência do filme reproduz o trecho de O vídeo de Benny (Benny’s video, 1992) em que o protagonista assassina uma garota com uma arma de ar comprimido. De súbito, um close do rosto de Haneke substitui as imagens, mas a ação perdura no campo sonoro: gritos femininos precedem o som de pistola, momento quando a câmera “chacoalha”. Em poucos minutos, Yves Montmayeur introduz com maestria duas questões fulcrais: o som enquanto condutor da cena - justificando, muitas vezes, o recurso da voz fora de quadro - e o caráter turbulento de um cineasta que “sacode” seu espectador, o retira de uma posição de conforto e o convoca a completar significados. Então se compreende, desde logo, a postura do entrevistado diante do entrevistador. Chega-se mesmo a exibir uma cena na qual Haneke desqualifica uma pergunta, já que considera improdutivo discutir intenções ou interpretações pessoais - parte, para ele, de um psicologismo simplificante. Não só na abertura, também nas passagens entre um tema e outro acerta Profissão: Diretor. Preferindo um encadeamento orgânico de assuntos a uma cronologia das obras, algumas transições merecem destaque. 

Uma entrevista com Juliette Binoche, por exemplo, interrompe-se por meio do freeze-frame: congela-se seu rosto, em alusão ao plano final de Violência gratuita (Funny Games, 1997), antes de a discussão migrar para esse filme. Nos últimos minutos, ainda, o corte da “estática” televisiva - "chuvisco" produzido por aparelhos antigos - de O sétimo continente (Der siebente Kontinent, 1989) para os aplausos no Théâtre de Champs-Elysée em Amor (Amour, 2012) contrasta a existência em desamor da “trilogia da frieza” com o “aqui e agora” em vias de desaparição experimentado por Anne e Georges Laurent na produção francesa. Para além de reunir um vasto material, desde entrevistas e bastidores até a atividade docente na Filmakademie Wien, o grande mérito de Michael Haneke - Profissão: Diretor reside em tal incorporação formal de ideias que perpassam o cinema do homenageado. Por meio da estética, e não de uma lógica explicadora - e, logo, embrutecedora -, pode-se, enfim, fazer alguma sorte de justiça ao artista.

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